infância Arquivo
eu lembrava de quando era criança. de um tempo para cá passei a inventar memórias. elas me chegam a partir de coisas que eu ouço. invejo a cabeça dos meus pais, embarco no que contam e finjo que sei do que estão falando. finjo com tanta força que passo a acreditar também. nessa madrugada, entre um soluço e outro, resolvi que tinha uma balança no …
fui criada numa família em que ninguém falava muito de dinheiro. exceção para dar uma reclamada básica do preço das coisas ou uma sugestão de economia em alguns itens. acho verdadeiro afirmar que meus pais não tinham problemas de grana. a vida era diferente do que é hoje. os presentes tinham data determinada para acontecer. ida aos restaurantes também. refrigerante só em dia de festa. …
na última porta do armário naquele lugar que não vejo não alcanço e não sei uma antiga lembrança. preciso das pontas dos pés dos braços estendidos do pescoço contorcido. preciso dos olhos atentos da alma lavada do olho comprido. revejo fitas, cartas, papeis descubro notas, correntes, anéis recupero fotografias, desenhos, pincéis. uma caixa cheia de vida entupida de pequenas mortes um baú de sonhos esquecidos …
“É preciso primeiro encontrar, depois cortar, para chegar à carne nua da emoção.” Claude Debussy a ouvir a sugestão do dia “Claire de lune”, Debussy, estampada na página do Almir Feijó lembrei de um acontecimento longínquo que eu nem sabia que havia se escondido em canto da memória… quando era menina fazia aulas de ballet. não tinha vocação nem interesse, só obedecia. um dia, por …
no silêncio daquelas sementes que boiaram no ar do quintal da casa da minha vó numa tarde de outono, pensei que o dente de leão que eu soprava era o que de mais enigmático existia no mundo. não por conta dos traços botânicos, mas por aquela maneira tão grandiosa de a partir de um sopro se transformar em muitos pedaços e cada um ser dono …
carnaval bombando! hoje ainda é sábado e até agora já recebi 12 convites. metade deles para jogar Candy Crush Saga; a outra parte, dividida em coisas similares. me falaram uma vez que o viciado na jogatina não faz a convocação de propósito; é coisa mais forte que ele, o Facebook impõe poder e subjuga-o, querendo carregar para o mesmo barco os amigos mais ingênuos e …
Da janela do quartinho vejo a chuva que se aproxima. Chumbo no céu, muito verde balançando no vizinho e um cheiro de infância. Gosto quando as nuvens desabam. Não deve demorar muito para acontecer. Daqui, espio a natureza se transformando e imagino rios correndo furiosos, a serra do mar em rodopio, a areia da praia furada pelos pingos. Fujo desse planalto e fico em outro …
Dos sonhos de criança alguns ficaram, outros foram embora e boa parcela acabei por esquecer. Algumas coisas eu lembro bem: queria ser caminhoneira e queria ser carteira, sim, daquelas de uniforme amarelo e azul. Da minha pretensão de ganhar as estradas, sobrou a vontade de viagem, a necessidade de liberdade e o desejo de dobrar novas esquinas. As aspirações de carteira se transformaram em impulso …
Joana se preparou para o teste de admissão do time durante semanas. No grande dia entrou na quadra tremendo feito banhista que sai do mar em dia de vento frio, e se colocou em posição. A primeira bola lhe acertou o braço e foi para a terra do nunca; a segunda carimbou o chão diante dos seus pés e atravessou a quadra e a terceira …
Eu estudei no Colégio São José. Não fui santa, não fui bem comportada, não ouvi de cabeça baixa. Mas fui ótima aluna de notas e conteúdos. Dia desses encontrei um boletim que atestava o registro mais vil em Física: sete pontos no terceiro bimestre a manchar um documento que não conhecia nada abaixo de oito (falho sistema!, nunca fui digna de sete em Física, a …