há coisa na vida que não se explica. as que eu vivo por esses dias, talvez Garcia Márquez tenha contado direitinho em seus relatos fantásticos sobre essa tão surpreendente fatia latina que recorta os rincões fronteiriços.
Puerto Iguazu, argentino no mapa e inacreditável aos olhos, é lugar que eu não deveria tentar descrever. só mesmo essa vontade de dizer é maior que minha incapacidade narrativa, por isso insisto.
a terra vermelha, a lama, os índios distribuídos nas calçadas. as lojas, as vendedoras, a sesta. os cassinos, as carnes, o artesanato em série. tudo se agrupa num retrato único onde há pobreza, mas não a miséria absoluta. há uma gentileza programada, nada em especial, nada pessoal, nada exclusivo, só a repetição automática. há o progresso luminoso e digital dos cassinos e também o asfalto esburacado das avenidas. há carros grandes e automáticos e ruas com lixo. há butiques de grife francesa e oferta de erva mate local. há pessoas nas ruas e uma solidão profunda, inabalável, indestrutível.
há contrastes. todos. e talvez eles provoquem aqueles que trago por dentro. nada como uma espiada pra fora pra sacar o que vai dentro.
e cá estou no velho vício, feito um disco riscado, voltando sempre para minhas provocações interiores. não gosto disso, mas parece que passarei a vida a tentar entender minhas voltas.
talvez eu seja uma egocêntrica, louca por mim mesma que se veste de interessada pelo mundo. ou talvez seja eu uma esquecida de mim que pensa que se olha, mas que na verdade cultiva superficialidades.
talvez seja eu uma espécie de Puerto Iguazu, aparente calmaria que fervilha em pensamentos; cidade com cara de passado que anseia pelo futuro e se aguenta nos dias de agora.
talvez, e só talvez, eu seja Puerto Iguazu.