eu olho para o cão, quase uma década e meia de vida, e tudo, todos os significados estão ali. seu pelo branco, sua visão gasta, seu sono sem fim, seus olhos tristes, sua pouca empolgação para as coisas do mundo, seu entendimento sobre o que é importante. meu cachorro é o resumo do que somos nós, agora ou depois…
mais difícil que perceber companheirinho de tantos momentos a estampar que a areia está escorrendo rapidamente, é saber que é esta a verdade, a minha e a sua.
toda vez que o Roberval me olha fundo e suspira eu entendo isso. reconheço seu trajeto na beirada do abismo e vejo que caminho, velocidade cruzeiro, para esta direção também.
a vida é um sopro. um estalar de dedos e lá se foram 15 anos. 15 anos mortos, que não serão jamais devolvidos. 15 anos que nem lembramos direito. 15 anos que construímos e destruímos. 15 preciosos anos marcados em bilhetes, fotografias, contas amareladas. uma joia no fundo da caixa ou uma entrada de cinema, uma lembrança de batizado ou uma roupa que já não serve: tudo marcas de 15 anos que já não são, que não temos, que guardamos como se fossem qualquer coisa de muito importante. um dia anterior não vale mais do que o de hoje!
o Roberval me diz isso quando me olha e suspira. mas fosse ele um cãozinho que não conheço e que cruzasse o meu caminho, sem vínculo ou história comigo, ainda assim, me diria as mesmas coisas.
um senhor alinhado em seu paletó estival a andar na praça numa terça-feira, mãe com filho no colo brincando em telefone público, mulher que equilibra-se em sandálias muito altas, dois conhecidos num café a conversar sobre as coisas do mundo, tudo é a certeza do caminhar para o fim…
tudo é decadência e glória.