“… Não é como a vida de Paris, digo, que é a mesmíssima coisa que estar a bordo de um transatlântico qualquer. É nas cidades pequenas que a gente descobre um país, naquele tipo de conhecimento que se adquire com os dias e noites sem importância…” (James Salter em Um esporte e um passatempo)
vejo uma mesa com pintura em ouro; uma mulher de preto que desfila em francês; um sofá que custa o mesmo que um carro.
vejo a França socialista com mendigos romenos nas ruas; mulheres com burcas e bolsas que comprariam um sofá no ombro; um carro de luxo dirigido por um argelino que viaja duas horas para trabalhar.
vejo galeria grande com perfumes no ar condicionado; barraca de sanduíches com queijo nacional; um italiano rico negociando souvenir com vendedor esfarrapado.
vejo a França inclinada pro lado esquerdo; homens que trabalham na manutenção de antigo monumento que faz homenagem à separação de classes; o oriente comunista se estapeando pelo cliente do mercado capitalista; o padre que em missa fala da importância da doação de argent para Deus.
vejo uma torre, um rio e um arco; uma avenida inteira onde marcharam os exércitos do tempo, contra e a favor; as cores de um outro país; uma loja holandesa para o bem da humanidade.
vejo o mundo misturado como ele é em todas as grandes cidades que repetem a mesma experiência do tudo e do nada.
vejo a vida a se perder no consumo e virar as costas para as importâncias.
meus olhos tristes reparam, hoje, no avesso da beleza, no contrário da esquerda, na promessa sem fundo.