faz três anos que eu cheguei em Vila Real.
é um aniversário estranho, não consigo comemorar, não consigo escarnecer, não consigo desprezar.
Vila Real é cidade. por isso é como todas as outras: coisas boas, coisas ruins, hipocrisias, maravilhas etc.
com suas letras eu poderia escrever algumas palavras como vilã e lar, mas não escreverei, porque o que realmente importa aqui é a experiência nesse endereço. ao contrário de apontar para a cidade, prefiro, como na maioria das vezes, entender o que recolho e entrego nessa trajetória.
foi aqui que voltei a ser casada em tempo integral. esta é uma fatia importante da minha vida, mas não tratarei dela porque envolve o Sérgio e ele já me disse que não gosta que eu escreva sobre ele, mesmo que esteja escrevendo sobre mim – é preciso anular e renunciar a algumas coisas bem importantes às vezes.
em Vila Real voltei a estudar e a produzir conteúdo acadêmico.
mestrado e doutorado.
não posso relatar essa experiência porque teria que usar palavras como mesquinharia intelectual, incompetência e pilantragem para descrever algumas situações importantes e eu não quero fazer isso.
Vila Real me mostrou também o mundo do trabalho. eu sou uma trabalhadora, uma assalariada, uma tarefeira e uma estrangeira, lugares de pouquíssima criação e muita obrigação. meu relato aqui precisaria da ajuda de umas aspas de Marx, não consigo recorrer a isso nesse momento.
por que continuo?
estou aqui.
este lugar não é ruim. minha cabeça um tanto adoecida tem tendência em relatar o que está à esquerda do zero.
também estou aqui porque acho que a felicidade ou a infelicidade é uma condição que não tem relação direta com o endereço.
quando cheguei estava doente. não dei atenção porque resolvi agir de acordo com as mais ignorantes superstições: não falar, não pensar, não lidar com um problema o fará desaparecer. piorei.
vim doente porque estava fugindo e uma pessoa que precisa fugir não tem tempo de ficar saudável, nem de fazer qualquer outra coisa que não seja reunir umas misérias em três malas e correr.
cheguei doente porque estava fugindo.
não fugirei doente de novo.
três anos depois, continuo em Vila Real, cortejando, ainda, algumas possibilidades.