“porque na vida há mais medos que perigos”
(Mia Couto)
não sou um tipo previdente. mesmo. basta olhar minha vida: soluções imediatas, tudo de atropelo, a curto prazo, o dia de hoje.
há problemas: não tenho casa própria nem reservas para os tempos difíceis, não programo viagem, não comecei reposição hormonal no tempo certo…
as vezes é um tiquinho difícil viver como se não houvesse amanhã. principalmente quando há, quando o amanhã vira hoje e não estou preparada para ele. caso em que repito a velha fórmula: apago incêndio, giro o prato e sigo.
apesar do sufoco, é o jeito que sei. e há vantagens.
não antecipo dores, não tenho medo do futuro, não concorro com o que não existe, não cultivo grandes ansiedades.
trato do presente. e ele me devolve, certamente, o plantio do passado e é, ao mesmo tempo o semear do futuro. por isso cuido do hoje com toda delicadeza, atenção e humor que consigo. todos os dias a vida se refaz e se apresenta, uma eterna descoberta, como se eu embarcasse num trem sem saber o seu destino, quando anoitece, desço e espero o primeiro sol para subir em outro que me levará sabe-se lá para onde. surpresas, todo dia é dia.
nessa explicação tão simplista posso parecer uma pessoa conformada, resignada na própria sorte de reconhecer um destino que chega mais do acaso do que das opções propriamente; fatalismo disfarçado.
mas é mais que isso.
é o caso de não ter bola de cristal e não cair na esparrela de sofrer por antecedência males que nem sei se ao certo chegarão. não quero poupar minhas experiências nem me esconder onde mora a covardia. não tenho vontade de economizar as emoções pelo medo de sofrer, economia de emoções e sentimentos já é sofrer. pelo menos pra mim.
não gosto de piorar o dia de hoje na ilusão de melhorar o de amanhã. não sei se estarei aqui amanhã. prefiro ter tudo que posso agora, esgotar as possibilidades e permitir as histórias, vivências, provas; rechear já todo o bolo e colocar-lhe glacê e cereja em cima e bem comportada provar-lhe o gosto e me satisfazer com o conjunto completo. se precisar, amanhã faço regime.
o cuidado exagerado com o que vem significa, na minha existência, um escudo protetor, uma armadura que me impermeabilizaria das possibilidades do viver. e pra que que eu vou economizar as chances que tenho de ser feliz, surpreendida, arrebatada? para prevenir coisas desagradáveis que nem sei se, de fato, acontecerão? comigo não, violão! comigo o salto é sem rede. e o precipício existe para admirar-lhe a vista ou para voar em devaneio. e é esta a maneira mais segura, mais lúcida no meu entender: me jogo na fé das boas experiências, se elas não acontecerem, ao menos lhes abri as portas, dei chances, tentei. se for o sofrimento que porta adentro se anunciar, cuidarei dele com a atenção devida, lamberei as feridas até que se tornem mais uma cicatriz fechada que me mostrará a luta, a vida. ganhar todas é impossível, por isso penso que tentar já é vencer. batalha perdida é sinal de alguma vitória.
os poetas ensinam.