prato, pratinho

sempre gostei de mesa bem posta.
este é o meu maior predicado doméstico.
há uma ciência em arrumar a mesa para refeições e ela não é repetir regras de etiqueta criadas sabe-se lá por quem, para atender aos mais nefastos interesses – assim são as normas: fingem-se de verdade para domesticar todos.
não.
uma mesa bem arrumada investiga, pesquisa, observa. a mesa bem arrumada ultrapassa os utensílios e se instala nas intenções.

quando tinha minha casa, prestava muito atenção em cada compra que fazia para a mesa. taças dos 1950, pratos azuis, linho nos guardanapos, talheres bem desenhados.
uma vez comprei umas coisinhas para colocar sal e azeite para cada convidado. mini galheteiros que ficavam dispostos para que ninguém precisasse dizer me passe o sal. sem esta frase não tínhamos interrupções nas conversas que sempre foram muitas.
isso também. cada grupo de amigos e ocasião tinha uma mesa pensada especialmente para eles. não valia a pena colocar copos de cristal para atender os dias de caranguejo, fiz a experiência. ou utilizar os pratos de churrasco num jantar de uma quarta-feira.

eu sempre coloquei a mesa com esmero, mesmo quando estava sozinha em casa. sempre usei as melhores porcelanas, os mais macios guardanapos, os utensílios mais bonitos.
sempre.

quando me mudei, deixei que boa parte das minhas coisas habitasse outras casas.
para cá, trouxe só umas emergências para as primeiras horas e a caneca de chá que ganhei da Suzie um pouquinho antes de viajar.
na minha mala, quatro pratos de plástico duro e reutilizável. nunca os havia usado, eles estavam comigo porque faziam parte de um jogo de piquenique que ganhei de uma amiga.
achei que poderiam ser úteis para quebrar um galho.
inquebráveis.
foram esses pratos que comecei a usar na hora do café da manhã.
pratos improvisados.
há três anos e dezesseis dias que como o pão-nosso-de-cada-dia no mesmo prato feio, de plástico duro.
há três anos e dezesseis dias que todas as manhãs sustento meu corpo depois de passar pelo pratinho horrível de plástico reutilizável.
há três anos e dezesseis dias que entendo esse pratinho como o representante da minha casa inteira.
o pratinho que nunca havia experimentado se tornou meu companheirinho no silêncio das manhãs.

acolhimento, carinho, meiguice… este é um prato que não preciso rodar.

quer comentar? não se acanhe.

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