março, Paris.
sentadinha no metrô indo pra Gare Lyon para pegar trem para Zurique a falar pelos cotovelos com Beatriz, mochila no chão, cachecol no colo. não via muita coisa além das pernas e bolsas das pessoas que estavam em pé na minha frente. mas volta e meia um friso se abria e de relance sabia de um homem sentado a uns três metros, frente pra mim.
na medida em que o vagão despejava gente pra fora, fui podendo vê-lo com mais clareza. e observei seu cabelo e suas mãos entrelaçadas e seus sapatos e seu casaco e suas sobrancelhas e sua roupa cinza e o jeito como olhava pela janela para o corredor preto. olhei-o até atingir o seu desconforto. olhei-o até chegarmos todos ao ponto final. depois, olhei-o caminhando, passos largos, velocidade constante. o mundo, sem saber, abria passagem. e sumiu no meio da multidão.
demorei ainda alguns minutos para que aquela estranha euforia do flerte saísse de mim. me imaginei no ápice da ousadia a bater com o indicador em seu ombro e, depois que ele virasse lento, paciente e zangado, eu falasse em bom português: salut! ou no seu espanhol: oi! ou, ainda, com meus parcos recursos franceses: ¡hola! realmente não seria boa ideia. jamais iria falar-lhe, jamais. mas queria.
era Enrique Vila-Matas, sentadinho ali no metrô indo sabe-se lá de onde pra onde, sabe-se lá pensando em quê naquele dia tão frio.
ainda que eu não fosse, em presença, a tímida número um do mundo, acho que jamais o abordaria. não teria coragem nem papo. não me arriscaria a levar um passa-fora nem cometeria o vexame de pedir uma foto. não o tiraria das profundezas de seus pensamentos para transitar penoso em meus momentos de fã: fiquei muito entusiasmada com Exploradores do abismo / me conte de Marguerite Duras / nós dois fazemos aniversário no mesmo dia / e o Literatura portátil, hein?
mesmo assim foi bom, confesso. acho que ao vê-lo em atitude tão prosaica, desprovido do olimpo editorial, acabei arrastando-o para o campo dos humanos e assim, fiquei com a sensação de que só não conversei com Vila-Matas, meu companheiro de metrô, porque não quis.