Exploradores do abismo, Enrique Vila-Matas

esperava encontrar um rosto mais sincero, mais simpático, com os olhos um pouco arqueados e algumas rugas de um sofrimento existencial. acho que esperava um pouco mais de espelho.

me arrependi de ter procurado foto na internet. quase não tive jeito de continuar a ler, porque aqueles olhos de gato, tão longe dos afetos que eu encontrava em sua escrita mansa, me tiraram a sinceridade das palavras.

não consegui deixar de julgar sua aparência. simplesmente não consegui. sabia que era uma loucura desenhada naquele lugar onde a ficção mora e a gente quer trazê-la para realidade. era um jeito de encontrar empatia na escrita que desmoronou ao ver aquela coisa meio Jack Nicholson com aquelas sobrancelhas muito desenhadas.

por um tempo fiquei assim, vidrada em procurar uma foto com mais generosidade que pudesse me devolver um pouco das humanidades dos textos. não consegui.

voltei ao livro num esforço além do normal. com a frase “é tudo mentira” na minha cabeça, veja só que loucura.

eu havia lido uma coisa ou outra do Enrique Vila-Matas, umas crônicas jornalísticas que lembro de ter gostado na época da faculdade. e também, por aqueles tempos, assisti uma entrevista com ele a respeito de um prêmio que estava a receber (não lembrava do rosto), gravei que Marguerite Duras o havia ajudado em suas primeiras horas. e alguma coisa que devo ter lido em alguma linha de rodapé sobre o lance do Literatura Portátil. nada mais.

me diverti muito. “Exploradores do abismo” é leitura perfeita, me tirou de uma secura de interesse que havia se instalado em mim. nada me chamava atenção além das cinco primeiras páginas…

mas Vila-Matas escreve gostoso, com uma inevitável ironia. precisa. não é todo mundo que a consegue assim no papel. um tipo de humor que adoro e com imagens bem construídas em temas amplos da existência e da especulação humana. as palavras são tão detalhadamente escolhidas e pensadas que se transformam num imenso natural, como se ele só enfiasse os óculos, abrisse a tampa do computador e seus dedos corressem sem esforço. adoro isso.

Exploradores do Abismo, Enrique Vila-Matas, se você ainda não fez este passeio, faça.

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