faço trocadilhos entre os consertos da vidae os concertos de sábado à noitee misturo o café de todo diacom o pontual das onze, sem-açúcar-com-afeto-por-favor.ouço o violão,a corda miacordohá cordacordacardocardíacomi, a cordami, o cárdio miocárdio – trocadilhos dedilhados no violão…
por sorte moro em um lugar com muitas janelas e delas posso observar os mais diferentes acontecimentos. daqui vejo gatos que se enfrentam sem a força física. ocupam a voz para impor o vigor em duelos que duram muito tempo. estáticos se dizem sobre território, domínio, limites. frutas, silenciosas frutas, esverdeiam, amarelam, avermelham-se e, doces e maduras, se espatifam na calçada para a sorte de …
estou em Portugal. um endereço novo para a velha carcaça que ainda consegue se jogar em sonhos mal planejados e planos super extravagantes. aqui – cercada de montanhas que não sei os nomes, de flores que não obedecem a chuva e rios que se desesperam em correntezas disformes – descubro, todo dia, uma nova urgência. abarroto os dias com urgências. antes de dormir, olhos vidrados …
não fume, me dizem. não preciso da nicotina, do tabaco, das mais de não sei quantas substâncias e venenos. não preciso do câncer, nem do enfisema. detesto o fétido nas roupas e na pele. aqueles minutos de nada; a brasa e o cinza; o girar do isqueiro, o clique e a chama. a fumaça. e sobretudo o silêncio. o momento de silêncio e solidão, este …
estava na cama, meio dormindo, meio acordada, cogitando minha existência, quando me ocorreram alguns pensamentos. tudo muito prosaico. coisas como levantar, ligar o aquecedor, tomar banho, café… este é um resumo. meu jeito de pensar é muito detalhado. na cama vou fazendo os planos de quanto tempo terei antes de entrar no banho e a forma de calcular é exaustiva e para narra-la, não sei …
às vezes é difícil saber que as coisas estão acontecendo.o gerúndio, este tempo leve e eterno, sem começo nem fim, que só está, um dia depois do outro; que desafia o que é passado, o que é futuro, que desafia o presente, embrulha o entendimento.o gerúndio prega peças. é zombeteiro. faz a gente falar coisas como metade do ano passou, já é natal, esta foi …
uma vida inteira falando sozinha e nunca me importei. bem dentro, sempre soube que conversa é coisa para passarinhos que se cantam ou para outros bichos que precisam mesmo comunicar o perigo ou o amor. a gente que tem olhar, gesto, lágrimas e risos, para que precisa de palavras também? para que encher o mundo com sons que nem são exatamente os que queremos, os …
acompanho a natureza. todos os dias uma árvore me sorri com seus brotos e tronco que anunciam a nova estação. ela não quer nada de mim. não me pede rega nem atenção. palavra ou poda. não pede nada e vai florescendo, ignorando minha insistente presença matinal entupida de conversas.reconheço que sou o tormento da árvore e ainda assim teimo em lhe dar nome, lhe contar …
estou em outro lugar. uma caverna quente que resiste ao inverno de outro hemisfério.penso em minha sombra desenhada na parede como um quadro que vez ou outra se move lento e entupido de uma sensualidade que só existe na imagem. tenho frio. tenho calor. conto os dias e leio textos que me interessam mas não me permitem, não me pertencem, não me deixam falar. só …
não sabia direito o que fazer com o dia mais longo do ano. acordei cinco e pouco, como sempre. repeti o hábito de ficar na cama até umas seis e meia. sete eu estava na sacada tomando café e pensando que até sábado eu não sabia que o natal era nessa semana. fui tentada a falar para mim mesma que este ano voou, depois lembrei …