inventei uma cor

acordo bem cedo todos os dias. seis horas da manhã no inverno é ainda mais cedo do que quaisquer outras seis horas da manhã. noite, silêncio. passo o café com entusiasmo. fazer café no silêncio da noite da manhã é um prazer que presto atenção e que todos os dias me surpreende e me permite um sorrisinho seguido de um suspiro que sai pelo nariz. …

balanço

2022 passou por mim sublinhando as linhas da saudade.  nunca antes havia passado tanto tempo sem ver a Lívia. o Dé veio e foi. Sergio viajou para o Brasil uma vez e depois mais outra e lá está. a visita do meu irmão durou o tempo de três nascer do sol.  as festas de fim de ano se apresentam de um jeito inédito. sozinha em …

o que tem no fundo do rio?

com a seca do verão chegou para mim a frase ‘o que tem no fundo do rio?’. todos os dias, ao cruzar a ponte, ao andar pelo lado, ao ver de cima ou no giro do pescoço, a mesma pergunta. uma inquietação nova para a coleção. um sofrimento inexplicável. saber o que tem no fundo do rio se transformou numa questão filosófica, doída, insistente, impermeável.pensar sobre …

cores outonais

para me distrair do dia, da vida, de toda minha existência, pintei o cabelo. quase que fio por fio fui formando mechas, forma lenta, velocidade e concentração que não permitem pensamentos. escorreguei a primeira tira de hena do final da testa até quase a nuca, o contorno da cabeça, o topo do meu perfil. esta linha que se revelada, apenas ela, pode me fazer reconhecer …

perdas e danos

levantei a tampa do computador determinada a escrever um conto. tinha como propósito desenvolver história de uma pessoa que coleciona pequenos fracassos diários a partir de distrações inexplicáveis. autoficção. pensei em uma historinha bem humorada que relatasse duas ou três idiotias, mas que conservasse atrás da imagem débil algum tipo de pensamento interessante, agudo, crítico e até, quem sabe, satírico a respeito do entorno. era …

o que tem no fundo do rio

há o desconforto do corpo. suores incessantes, respiração difícil, claridade de mil holofotes. a pele parece que vai se desgrudar e virar uma poça flácida e irrecuperável. o maçarico no céu não dá tréguas. caminho cinco quilômetros todos os dias. pelo menos cinco quilômetros. na metade do trecho bebo 750 ml de água. às vezes tomo cerveja, uma novidade. ontem, rum, uma paixão antiga. não …

vento de floresta

um colega de trabalho me chamou de vento de floresta.  é uma expressão bonita, delicada, cheia de paisagem para essa timidez que me molda muda. sozinha. introspectiva. todos esses ventos que rodopiam dentro de mim me fazem e refazem dia após dia, compõem um furacão sem saída, uma dança interna, passos mal pisados, que sacodem todas as árvores e de alguma forma acabam no mar. …

não hora do almoço

há este sol que se manifesta em mim e me faz lembrar a traça de mil pernas que hoje de manhã espatifei na parede do quarto.  esta relação contínua entre vida e morte me acompanha todos os dias e às vezes me perco e esqueço se sou traça, sol, parede ou chinelo. há um pouco de tudo em mim.  também acho válido saber que toda …

namoro com Albert

há um roedor morto no quintal. um tipo pequeno, bem pequeno, miúdo, sem cauda. seu corpo jaz de olhos abertos e pelo arrepiado, cinzento e comprido. um misto de nojo e medo forma a covardia para tirá-lo dali. mas a imagem me incomoda. cada vez que olho para o cadáver penso em cadáver. em morte. em fim. em um corpo que não é mais, que …

lançamento na Traga Mundos

ontem foi o lançamento de ‘o amor e outros sufocos’. esta frase inteira, escrita assim, do começo ao fim, guarda uma série de significados que acho que não conseguirei contar direitinho. tenho a necessidade de tentar. ouvi o enredo da minha vida contado através das minhas próprias palavras, outra boca, com recortes escolhidos, grifados e destacados. fiquei um pouco surpresa, meio chocada, muito comovida. entendi …

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