cada linha que escrevo é um solavanco na minha existência. haveria motivo para escrever se não fosse assim? não sei. só conheço isso.
daqui a pouco, algumas viradas nos ponteiros, minha casa estará cheia de caixas. é o livro novo que se arrasta no asfalto para entrar aqui. e, como os outros que escrevi e provavelmente os que escreverei, caminhará em marcha lenta até conhecer meia dúzia de bravos leitores.
tudo que marca minha experiência neste assunto só conhece dois lugares: a contínua necessidade de escrever e o incansável questionamento se prossigo ou não.
é fôlego e derrota, tudo junto, o tempo inteiro.
quando abrir a porta para que os homens comecem o despejo das caixas no meio da sala, visitarei, de novo, aquelas duas coisas que parecem excludentes mas que se acomodam grudadas na minha alma: prazer e desgosto.
sei que sentarei no chão, livro e solidão no colo, e chorarei uma vez mais por este destino que inventei e escolho mesmo sem querer.
escrita e leitura são independentes, não misturam seus tempos. entendo. mas mesmo assim, pergunto: por que escrever? para quem? para quando? é certo ceder tanto tempo nisso?
se eu fosse engenheira, costureira, médica, advogada, cozinheira conheceria a importância do meu ofício na medida que ele acontecesse. daria com uma mão, receberia com a outra.
escritora não é assim. escritora só faz imensos buracos na alma, cada vez mais violentos, atrás de buscar todos os dias mais profundezas.
é o mesmo sangue que derramei em qualquer linha do novo livro que também pinta as palavras aqui do blog, mesmo quando parecem formar textos jocosos ou pueris.
é essa coisa que escorre pelos dedos para ganhar forma no papel que não quero mais para mim e que mesmo assim insisto, me insiste.
entusiasmo e ruína. satisfação e abismo. certeza e despenhadeiro. destino e maldição.
glória vã.