sumas de peccatis

um silêncio desaba em mim.
ao mesmo tempo, sinto euforia de véspera.

os caminhos dos últimos meses foram pelas vielas onde se acendem os faróis do próprio íntimo, os sentimentos, as reações.
andei de cabeça baixa porque é assim que se faz quando a visita é aos defeitos. vícios. pecados.
é possível que reassuma postura altiva, mas só porque me resta muito pouco diante do que vi.
paradoxo.
dos meus tropeços morais aprendi que eles nunca jamais me deixarão. é da minha natureza pecar. mas o exame com lentes de aumento também me coloca diante de outra realidade: posso todos os dias, cada dia, hoje, amanhã, depois, o ano que vem, tratar de sufoca-los. de tentar sufoca-los, ainda que uma parte de mim morra na tentativa e outra na asfixia. é preciso reconhecer, domar e tirar as cores da besta fera.

escrevi livro novo.
e a experiência me permitiu uma voltinha pelo passado. mas foi mais generosa e deixou que eu me agitasse no presente, tempo em que nem tudo é conhecido porque é preciso a pátina dos anos para a perspectiva de entendimento. mesmo assim, é espécie de privilégio poder comentar sobre as paisagens que ainda estão no espelho.

não sei o que será do novo livro e meus pecados revelados nele.
por enquanto, submete-se ao editor e seu olhar de duplicidade: de um lado, rigidez, comparações, rigor, severidade; de outro, compreensão, estima, respeito, consideração.
pode ser que ganhe papel, impressão, leitores. pode ser que volte para o meu domínio para que ainda tenha que ser revisitado, reestudado, reescrito. pode ser que seja despejado sem compaixão no vale dos irrecuperáveis.
não sei de seu destino. só desse passado que agora se alforria para plantar em mim este silêncio que parece eterno, acompanhado de toda a euforia de véspera.

– na ilustração, Hieronymus Bosch em Os Sete pecados capitais, de 1480, que pode ser visto no Museu do Prado, na Espanha.

quer comentar? não se acanhe.

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