numa manhã amarela, mais amarela do que qualquer outra, saí de casa.mas antes disso, acordei cansada, tão cansada como qualquer outra mulher, tomei banho e vesti uma roupa serena e nova.mas antes disso, me olhei longamente no espelho. vi as rugas e o cabelo. mas antes disso, percebi o olhar, que era o mesmo e já não era. como se o olho direito dissesse sim …
a infiltração no quarto. o prazer do amanhecer. a xícara preferida. o suco de goiaba. o café da manhã no silêncio da varanda. a música na sala. o vinagre no chão. a vela no escritório. a gaiola de canetinhas. o drible na morte na faixa de pedestre. o tropeço em pedra solta. feira. feirinha. o arrependimento de andar na xv no domingo. a bolsa colada …
Mateus 7:6 – “Não deem o que é sagrado aos cães, nem atirem suas pérolas aos porcos; caso contrário, estes as pisarão e, aqueles, voltando-se contra vocês, os despedaçarão”. tenho poucas obrigações. no entanto, sou obrigada a muitas coisas.tento desenhar minha vida de uma forma que haja alguma possibilidade de escolha. isso traz uma série de consequências: mais leveza, mais tempo, menos dinheiro, esquecimento em …
antigamente eu jogava garrafas ao mar. um bilhetinho dentro, uma indicação de tempo e local. era tudo. não foram muitas. também não foram poucas. devo ter poluído o Atlântico com isso umas 15 vezes, nuns 20 anos. sempre com a esperança de que alguém a retirasse do mar e guardasse como eu guardei uma caixinha de latão que encontrei na areia da Ilha do Mel. …
quando comecei a bordar, voltei a escrever.começar, voltar.bordar, escrever. se eu tivesse um pouco mais de ânimo iria procurar informações neurológicas para entender as sinapses em comum nas duas ações. não tenho. o que identifico é o nada. o nada no pano, o nada no papel. e depois disso a invenção do mundo que acontece ponto a ponto, letra a letra. nos dois casos há …
cultivo etiquetas. aprendi, ainda na infância, a manter-me um passo atrás. meu pai sempre foi um tipo caladão. não contava e não perguntava. já na minha casa adulta, era incapaz de chegar sem avisar, de abrir qualquer porta, da geladeira, do armário, do baú de ferramentas, sem pedir permissão. nem ao banheiro ele ia sem fazer a pergunta. no outro extremo, minha mãe. sempre quis …
achei que devia me maquiar. também coloquei meu melhor casaco.meias novas.usei meu perfume preferido. ninguém soube, não importa.interpretei que quem estivesse comigo no domingo mereceria o melhor que eu pudesse dar. foi por isso que tomei café muito devagar e enchi os pulmões de ar antes de sair de casa. uma vez vi uma reportagem sobre pessoas que viam o mar pela primeira vez. adultos …
um dia desses me falaram, de forma indireta, que eu não sabia escrever ou qualquer coisa parecida dentro dessa mensagem. foi uma agressão proposital e eu fiquei triste, muito triste mesmo. a intenção de me humilhar e diminuir caiu muito forte e pesada. mais a intenção do que a mensagem. saber ou não saber escrever é um entendimento subjetivo e tem gente que gosta do …
todos os jornais ao final de todas as matérias e reportagens têm aquele item clicável ‘comunicar erro’. até artigos e entrevistas que aparentemente se tratam de comunicações mais, digamos, pessoais e opinativos, disponibilizam essa possibilidade. qual erro? erro ortográfico? histórico? erro de concordância? de continuidade? de nomes de personagens? qualquer erro?de leitores nos transformamos a revisores? ou esse é um tipo de seção que ninguém …
dia de todos os santos.os santos todos.todos santos. com a vontade de escrever sobre isso, fui fazer uma pesquisa. descobri que o Dia de Todos os Santos “é uma festa em honra a todos os santos, conhecidos e desconhecidos”. gostei dessa junção de palavras numa única sentença: festa, conhecidos e desconhecidos. a Igreja Católica, que conhece os mistérios mais profundos da humanidade e sempre soube …