Arquivo Mensal: novembro 2014

Beto Batata

“voa, menina, voa”, me disse isso, olhos nos meus, abriu minha mão e me presenteou com uma revoada de passarinhos de origami. tesouro. sei, pela análise do passado, que não é exatamente reflexo da verdade, já havia alcançado certo respeito profissional quando Beto me soltou esses passarinhos. mas foi em seu olhar que eu senti pela primeira vez que alguém verdadeiramente confiava em meu trabalho. …

Horácio

não sou pessoa do tipo previdente, que guarda para o futuro e prepara a vida para o tempo da velhice. essa inclinação para viver o dia de hoje é mais forte que qualquer juízo.   um dia desses, embarquei no pensamento inédito de projetar, pensar no que vem daqui alguns anos. abri um caderninho e fiz anotações secretas para o que quero e o que …

ai!, meu dedinho!

  uma das tantas inabilidades da minha existência é a consciência do espaço em torno de mim.  quantas vezes uma pessoa consegue bater a mesma canela no mesmo lugar da cama? até o cachorro aprende sobre os perigos e armadilhas dos lugares conhecidos. eu, dia sim e outro também, deixo um pedaço da perna na quina da cama.  e isso se multiplica no canto do …

afogada

eu estava toda feliz e sorridente, equipada e capacitada, com computador novo. o meu lindinho, fininho, eficiente e companheirinho MacBook Air chegou por meu Mecenas em assuntos tecnológicos, Alex.   (antes de prosseguir com a história é importante fazer um parênteses para o Alex. ele vem sustentando minhas necessidades e caprichos de hardware desde o meu primeiro iPhone. com simplicidade e despojo, sempre faz isso …

tratado de silêncio

fico triste com minha incapacidade de conversa.  tudo que consigo, acho, comunicar na calmaria do papel tem dimensão completamente inversa na fala. não sei se por submissão, covardia, timidez ou puramente incompetência, muitas vezes percebo que não estou sendo compreendida. a situação me exaspera, o corpo cansa e o eterno sentimento de inadequação no mundo cai sobre mim feito uma capa pesada que cobre qualquer …

no privacy

pode ser que eu esteja enganada, até é bem provável se considerar minha crônica burrice a respeito de tudo que anda, voa ou se arrasta, mas tenho a impressão, desde sábado à noite, que um vizinho me espia.    o lance começou quando eu lia na poltrona da sala. era noite e por conta de um ventinho perturbador levantei para fechar a janela. como de costume …

Leucocoprinus birnbaumii

Acordei cedo para preparar almoço de aniversário do Dé. Dormi tarde porque estava a preparar almoço de aniversário do Dé. No meio dessa atividade, umas horinhas de sono. Tenho um pensamento recorrente desde a infância. Há alguns anos, depois da estreia do infantil Toy Story, sei que outros também são perseguidos por questão parecida: o que acontece com as coisas quando não sou ocular testemunha? …

de olhos abertos

Teve um tempo da minha vida que sonhei em ser escritora. Tinha a imaginação fértil e nenhum medo de desejar. Minha cabeça não pensava nas praticidades. Água, luz, telefone, casa própria, escola dos filhos, plano de saúde, essas coisas todas que insistem no cotidiano real estavam fora dos meus devaneios. Tinha feito plano (im)perfeito: moraria numa varanda de Antonina, com vista para baía, passarinhos ao …

Mutantes

O Cristovão Tezza disse hoje que vai embora. Chega de crônica, chega de Gazeta, chega de dois mil e novecentos toques por semana. Vai se dedicar à ficção – escrita e leitura. Não sei dos motivos, não conheço Tezza; sou sua leitora semanal, com oscilações no gostar e me sinto um pouco traída com a notícia. Mas é assim mesmo, decerto o escritor ficaria infinitamente …

a chuva que transporta

Da janela do quartinho vejo a chuva que se aproxima. Chumbo no céu, muito verde balançando no vizinho e um cheiro de infância. Gosto quando as nuvens desabam. Não deve demorar muito para acontecer. Daqui, espio a natureza se transformando e imagino rios correndo furiosos, a serra do mar em rodopio, a areia da praia furada pelos pingos. Fujo desse planalto e fico em outro …

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