na aurora da minha vida

A casa da minha infância não era a mais bonita da rua, não era a mais charmosa, nem a mais rica. Mas ela tinha detalhes tão interessantes que a transformavam na mais surpreendente –  pra mim e para os vizinhos, naqueles bons tempos em que se tinha vizinhos…
O lindo, vistoso e cheiroso pé de jasmim; a robusta roseira; um xaxim imenso; margaridas exibidas e toda sorte de flores que minha mãe tão bem sabia (e ainda sabe) cultivar. Garagem estreita, que carimbou todos os carros da família. Longas calçadas que me permitiram treinar antes de ganhar as ruas com as modas de todas as épocas lançadas sempre no natal: bicicleta, patins, patinete, rolimã, skate, vôlei, tênis. Churrasqueira imensa, com longa mesa e bancos de madeira. Escorregador alto que incentivava todo tipo de brincadeira: casinha em baixo, malabarismos em cima, espionagem da vizinhança, colheita de ameixas e tudo que a imaginação livre permitisse.
Havia um porãozinho que não devia ter mais que um metro de altura, que minha mãe chamava de lá-em-baixo-do-assoalho e que eu fazia de laboratório, morrendo de medo de aranha.
A casinha do cachorro era uma graça, com cachorro de verdade, que brincava com a gente, tomava banho de mangueira, cavava o jardim e comia as sobras do almoço e do jantar.
Roupas no varal, a secar e estendidas na grama, a coarar.
A casa da minha infância era enorme: três belos quartos, cozinha copa, banheiros, salas, lavanderia e muitas, muitas, muitas janelas que aprendi a lavar de um jeito que até hoje ninguém me ganha nessa arte da transparência.
Crianças, eu e meus irmãos, passamos a convidar a rua toda para as sessões pioneiras de ferrorama, depois de autorama, depois de projetor, vídeo-cassete, vídeo-game, aeromodelismo e toda a parafernália eletrônica que meu pai era fã – de pipoqueira a bonecas que falavam; de carrinhos com controle remoto ao computador (já em 1985).
Lembro de muitos aniversários, de traquinagens que até hoje receio que minha mãe descubra, de shows montados na área da frente, de festinha na garagem.
Minha mãe ainda mora lá. A casa não é mais a mesma, sofreu reformas, encolheu, modificou, lutou contra a ação do tempo, ganhou novas cores, nova serventia, novo papel. Quando chego, as vezes a reconheço, as vezes sinto saudade, as vezes choro…
 

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