ai!, meu dedinho!

 
uma das tantas inabilidades da minha existência é a consciência do espaço em torno de mim. 
quantas vezes uma pessoa consegue bater a mesma canela no mesmo lugar da cama? até o cachorro aprende sobre os perigos e armadilhas dos lugares conhecidos. eu, dia sim e outro também, deixo um pedaço da perna na quina da cama. 
e isso se multiplica no canto do armário, na mesa da sala, na porta do elevador, no box do banheiro… 
consegui levar quatro tombos e um tropeção (porque era um dia de atenção máxima) no mesmo degrau na entrada aqui do prédio. 
 
essa estabanação também me acompanha na hora de lavar a louça, de tirar a mesa, de lavar o chão, quando seguro um objeto ou passo com o casaco longo perto da estante. 
terremoto. 
 
quando minha irmã decidiu casar, percorríamos lojas de coisinhas pra casa. lembro que ao visitarmos uma casa de cristais, ela deu a ordem: “você me espera aqui fora, não fica perto da vitrine!”. como era de costume, obedeci. 
noutra vez, Lívia pequena, entramos no mercado e ela se antecipou uns passos à minha frente e alcançou outro corredor. de repente um estrondo, barulho de louças se esmigalhando. me procurou correndo e preocupada, “mãe, o que você fez?”. nem era eu, não tinha feito nada, mas me senti culpada pela prateleira que desabou com todos os copos bem longe de mim. 
em qualquer situação onde haja algo estraçalhado no chão, acho que de alguma maneira, fui eu. 
 
pois bem, domingo a passear com o cão na pracinha, vi um buraco na calçada, desses que parecem que vão se tornando cada vez mais fundos, até chegar ao Japão, como pensava quando era criança. preocupada com a segurança alheia, tratei de fincar um galho no dito, forma de chamar atenção do pedestre mais distraído. o gesto foi tão teatral que parecia descobridora de terra a empunhar bandeira do meu reinado. 
não sei exatamente como aconteceu, mas hoje o galho não estava mais lá. observei na ida e fiquei a procurar substituto para continuar meu projeto de sinalização. o telefone tocou, me distraí na conversa e na volta, o vexame: lá estava eu, um pé no buraco, outro na borda; uma mão na guia do cão outra na calçada; uma perna dobrada do lado de fora e outra toda ralada do lado de dentro. 
 
como explicar isso? qual parte do meu cérebro está permanentemente desligada? por que não consigo prestar atenção, ter noção espacial, me inserir no mundo como parte dele e não como gigante pisando em formigueiro? 
 
será que tem cura? 

quer comentar? não se acanhe.

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