carnaval

não sei dizer se algum dia gostei de carnaval. me chegam uns pensamentos de alegria forçada, coisa encomendada, espécie de obrigação de data. há um encargo de sorrisos e cores no carnaval.
acho que nunca morou em mim alacridade de tal tamanho que fosse capaz de me fazer, com sinceridade, cantar, saracotear, viver intensamente os dias determinados.
minhas emoções são um pouco rebeldes. lágrimas me escapam quando não quero, cena trivial me comove e as vezes uma grande tristeza externa não me diz muito. por isso tenho dificuldade na entrega planejada.
um momento de sonho pra fazer a fantasia de rei ou de pirata ou jardineira, pra tudo se acabar na quarta-feira? não, isso nunca deu pra mim. não posso começar uma fantasia, uma alegria, um mero sorriso com a informação de que tudo se acabará daqui a pouco. um sorriso, uma alegria ou uma simples fantasia, só se for para sempre, mesmo que o sempre se encerre ali, logo depois da primeira curva.
a notícia prévia do enterro me ofende.
outras coisas do universo do carnaval me incomodam muito e quase todas podem ser condensadas na palavra vulgaridade. as roupas, a bebida, o comportamento, as músicas.
gosto de manter alguns pudores, uma decência mínima. coisa de um recato público permanente, as liberdades só em sessão privada.
forcei-me algumas vezes ao carnaval. diversas modalidades, nenhuma deu certo. não é a minha. mas gosto de olhar os desfiles pela TV, torcer pela Império Serrano e acompanhar as notícias relacionadas ao Garibaldis e Sacis – uma de minhas tentativas.
lembro-me menina, bailes infantis, uma certa farra em fazer montinhos de confete para encher as duas mãozinhas e jogá-los pra cima, como quem entra num rio de água muito gostosa e comemora.
também era a época permitida para colorir o rosto com as maquiagens das gavetas da penteadeira, mesmo que não tivesse vontade, me pintava, só para não perder a chance.
tenho ainda a recordação da mais gostosa das sensações daquele tempo, quando o baile acabava e saíamos do salão, eu meio surda, a retornar ao meu mundo muito particular, dentro daquele zumbido que a música alta e contínua deixava no meu ouvido. minha solidão se refazia, me devolvendo a dignidade de poder ouvir meus próprios silêncios.

no caminho de volta, os confetes iam se desgrudando de mim, a deixar um rastro que hoje acho que era o trajeto de todas as lembranças que agora visito.  
 
 

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