clima familiar

acampamento. nunca, nunca mesmo, me convide.
pra mim é aporrinhação pura. não conheço um único ponto positivo dessa inversão esdrúxula que fez migrar para o lazer/prazer todas as dificuldades dos tempos bárbaros.
primeira coisa desagradável é a antessala do inferno, o camping. coletivo de árvores e quadrados delineados, churrasqueiras com bolor nas paredes externas e ninhos de passarinhos, gambazinhos e guaxininzinhos por dentro, o que inviabiliza o uso e obriga a procurar uma que não esteja sendo ocupada para você dar conta de preparar o churras.
nesse momento, aparece o habitué de camping, ele é solícito, solidário, hospitaleiro e vai logo buscar uma parafernália qualquer para lhe ajudar com o gancho da barraca que ele viu que não está bem preso; quilômetros de conversas a explicar como descobriu a dita cuja da peça e todas as vezes que a ocupou em todos os campings que frequentou. e para esse grupo de personagens, um assunto puxa o outro e se você só queria tratar do pão com linguiça na churrasqueira podre do camping, ele vem e lhe empresta uma grelha porque eu comprei essa belezinha aqui, ó. e mostra um arsenal portátil, que faz de picanha a chester, de batata frita a escondidinho de aipim. tudo com aquele ar superior, disfarçado de companheirismo. volta para barraca, sorrindo para a família, e balançando a cabeça em sinal de negativa, desprezo e sarro, Telma, eles não conheciam o XPG457.
o campista é um ser insuportável aguardando o momento certo para dar o bote num frequentador menos preparado.
essa estranha confraria também propicia outras situações: música, não importa qual, será sempre de um tipo que você não gosta e num volume que te atrapalha.
provavelmente vão te convidar para uma partida de truco ou sinuca na área comum do alojamento.
e como se não bastasse tudo, há o banheiro comunitário. privacidade zero, você na fila segurando xampu, sabonete, escova de dente, pasta, toalha e conversando sobre a Petrobras com um especialista na área que resume tudo num tudo ladrão.
com os pés escorregando nas havaianas molhadas pela agüinha nojenta que escorre pela terra/grama que circulam o local, a humilhação pública pode se estender a níveis gigantescos caso você esqueça algum dos pertences e alguém da sua família venha lhe socorrer. o experiente campista vai te mostrar uma engenhoca que comprou numa loja de pesca online que é banqueta, nécessaire, tapete de banho e pente tudo ao mesmo tempo. com o sorrisinho de canto de boca, aguardando aplausos, admiração e inveja.
o camping tem aquele ar falso de equidade. mas as barracas com 58 metros quadrados, três quartos, geladeirinha, fogãozinho, ventilador e TV com parabólica acabam sempre conseguindo que o dono estacione sua cabine dupla em área proibida porque ele precisa da bateria da viatura para ligar tudo, do contrário cairá a luz de todos, como naquela vez em 1998 lá em Bombinhas, lembra Soraia? e lá vem mais histórias…
mas se o camping é a antessala, a barraca é o próprio inferno. quente, pequena, baixa, apertada, incômoda. o colchão de ar que precisa ser inflado a cada 17 minutos está sempre com areia; não importa quantas vezes as roupas sejam dobras e separadas, elas sempre estarão desorganizadas e se você tiver mais que 1,30m não conseguirá ter qualquer tipo mínimo de conforto independente do tamanho da choça.   
apesar de todos os cuidados, os mosquitos aparecerão. e você ficará irritado, triste ou nervoso porque divide um metro quadrado sufocante com um casal de violinos-canibais? não! você pensará que tem sorte por não ser uma caranguejeira ou um escorpião como relatou um dos vizinhos durante a fila do banheiro. e nessa lembrança o sono troca de lugar com o pavor que te faz acender a lanterninha e bater uma geral no local a cada 10 minutos, provocado por ter sentido alguma coisa andar em você.    

enfim, quando você resolver que é melhor ocupar o lugar só para dormir e tratar de passar o dia inteiro fora, sem ligar para o fato de ter que se mandar pra praia imediatamente depois de ter traçado o combinado 3 do restaurante da esquina, uma inacreditável chuva de verão chegará de repente e te fará ter que voltar correndo e aceitar, oprimido e submisso, que se não fosse por seu colega de estadia estar por ali, suas coisas estariam todas alagadas, como aconteceu com aquele casal que não tinha experiência e montou a barraca num lugar baixo assim, lá em Caraguatatuba no ano retrasado, né Fátima?
 
 

Uma resposta

  1. Reginaldo

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