com os pés no chão

Não sou do tipo que tem loucura por sapatos. Tenho muitos, não direi quantos, porque vai parecer que sou centopeia fora de controle na Barão de Teffé. Mas não sou do tipo que tem loucuras por sapatos, talvez do tipo que tem tempo para escrever sobre eles.
 
Todos os meus pares preenchem requisito básico: conforto.
Nunca suportei nada que me aperte os pés, faça bolhas ou me coloque a pisar meio de lado. E quando digo nunca, quero dizer nunca mesmo.
Criancinha, dois, três anos, quando minha mãe e o doutor concluíram que eu tinha que usar botas ortopédicas, as escondia e pulava descalça pra grama, a correr e me maravilhar com a liberdade de poder voar com os pés no chão, um dia eles desistiram.
Menina, tinha horror às sapatilhas de balé. Elas me machucavam, grudavam os meus dedos uns nos outros, enquanto eu tinha que fazer cara de ser pleno, etéreo. Depois de muitos anos de tortura, convenci a família que eu não levava jeito para aquelas pressões e expressões.
Mocinha, enquanto minhas amigas se equilibravam em saltos, eu ia muito bem com meus Bambas e alpargatas. Não ligava para as vistas, precisava de naturalidade para ser e eram os solados de borracha colados no térreo que me davam isso. 
Adulta, era hora de me adequar às normas sociais e ter sapatos. Ocasiões formais pedem seriedade. Lembro da minha irmã às vésperas do seu casamento chique e o pânico que eu, madrinha, aparecesse por lá com meu All Star azul velho de guerra; resolvemos o impasse com troca justa: calçaria altas sandálias em troca da permissão para ser chofer do carrão que a conduziria ao altar – me diverti muito na nave automática e cheia de salamaleques com uma noiva nervosíssima no banco de trás. E soube desfilar, me equilibrando elegante, pelo corredor de olhares e pista de dança.  
Hoje, mais livre das formalidades e com poder para decidir o destino de tarso, metatarso e falanges eu continuo com o mesmo pensamento de quando tomei consciência da obrigatoriedade de sapatos: nada, nadinha, pode me apertar ou me deixar desconfortável. De Havaianas a Sete Léguas, eu preciso ter os pés livres para voar.  
 
 

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