De chuva, de amizade, de amor e de outras coisas

 

Quando eu era criança tomava banhos intermináveis de chuva. Não sei quantos foram, não tenho a contabilidade, mas lembro de muitos. Lembro do Zé e eu em algazarras inesgotáveis debaixo de grandes torós. Meu irmão me fazia muito feliz, ele sabia aproveitar a chuva e me ensinava a perder o medo de ir correndo da calçada até a beirinha, no começo da grama, e me jogar e escorregar e fazer do campo verdinho um tapete macio, que melhorava a queda ao mesmo tempo que empurrava pra frente. Íamos correndo e nos atirávamos na grama para escorregar: de bunda, de peito, de lado, de qualquer jeito, dependia do jeito em que caíamos.
Nós corríamos pelas ruas, não passavam carros porque ninguém se arriscaria a dirigir no meio das tempestades de verão, parávamos debaixo de calhas que se transformavam em cachoeiras, deitávamos no chão e por fim, acabávamos com vassoura nas mãos e sabão em pó, lavando a calçada, churrasqueira e áreas livres da casa da minha infância.
Nós éramos munidos pelo combustível da diversão. Minha irmã, pequena, olhava pela janela e nós não sentíamos o peso da tristeza dela por não poder participar daquele momento nosso, só nosso. Dávamos voltas pela casa, brincávamos de pega-pega. Nunca de esconde-esconde, porque acho que meu irmão, mais velho que eu, não me deixaria longe dos olhos dele, não sei se por recomendação da minha mãe ou se por um sentido de responsabilidade fraternal.
O mundo, feito de água e raios, nos pertencia.
Ontem choveu muito aqui. Choveu a mesma chuva de quando eu era criança. Observei os 15 minutos de água, vento e trovoadas da janela, respirando aquele cheiro e sentido os respingos, trazidos pelo vento, no rosto.
Uma preocupação ou outra da vida adulta (será que fechei a janela do quarto? será que as crianças estão bem? será que tem goteira em cima da TV de volta? será que minha mãe está em casa?) e fechei os olhos para aproveitar aquela montoeira de sensações e lembranças.
Quando a chuva passou, veio um desentendimento, uma rusga, que acabou em briga, choro – que não quero contar.
A conclusão? As águas da infância trazem uma coisa, as águas da vida adulta, outra. Se muita água passa por debaixo da ponte da vida, é bom saber aproveita-las de sol a sol.

Se chover hoje juro que surpreenderei o verão e me mando pra rua, como se ainda tivesse 8 anos ou 10 ou 12 ou 39!  

7 Comentários

  1. Anonymous
  2. San

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