Mutantes

O Cristovão Tezza disse hoje que vai embora. Chega de crônica, chega de Gazeta, chega de dois mil e novecentos toques por semana. Vai se dedicar à ficção – escrita e leitura.
Não sei dos motivos, não conheço Tezza; sou sua leitora semanal, com oscilações no gostar e me sinto um pouco traída com a notícia.
Mas é assim mesmo, decerto o escritor ficaria infinitamente a assinar coluna? Caquético, 127 anos, procurando os óculos e o assunto da semana? Claro que não. As coisas mudam. Muda a gente. Tudo muda, até o que nem suspeitamos…
A maior novidade do jornal da província me fez pensar no que transforma a vida da gente. Engraçado, não encontrei grandes estopins. Vasculhei a memória atrás dos acontecimentos pontuais que me fizeram pegar a direita aqui, a esquerda acolá, seguir, parar, voltar e a descoberta veio vestida de obviedades.
A primeira e mais evidente, tem relação com o tempo. O tempo nos modifica. Mas faz isso com tanta lentidão que nem percebemos, um dia olhamos pra trás e entendemos que já não fazemos mais o que fazíamos antes ou que pensamos de modo diferente de encrencas atrás.
Agarro os outros motivos de mutação ao primeiro, mas mesmo assim se parecem com luzes independentes.
Uma paixão faz mudar, uma desilusão também.
A descoberta de um problema de saúde, nova cidade, vício, achar restaurante gostoso, modificam hábitos. Emprego, desemprego, aproximação de vestibular, plano de viagem e início de dieta também.
Filho, casamento, funeral, toque divino, aprender tocar violão, tese de mestrado, endereço novo e planos econômicos alteram o curso.
Trauma, guerra, filhotinho de gato, anel de safira, irmão mais novo, assinatura de canal a cabo, conhecer Manoel de Barros e a chegada do amor nos fazem mutantes.
Assim como parar de consumir lactose, trabalhar à noite, ser voluntário em orfanato, vender o carro, perder o cronista do jornal e reformar a casa.
O tempo é o sol e os outros gatilhos são estrelinhas menos fundamentais que se misturam ao cotidiano, mas que existem e brilham.
Porque a gente pode não perceber, mas todo mundo muda e muda o tempo todo.  

E isso inclui até a Gazeta do Povo.


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