nove experiências


Rua XV (o calçadão da XV é o meu chão. Devo ter dado meus primeiros passos naquele lugar. Aprendi a olhar pra cima e ver as construções, a olhar pra baixo e seguir o caminho, a olhar pra frente e reparar as pessoas, a olhar pros lados e anotar vitrines (do Rei do Disco a H Stern, da Gênova a Savoy, da Famílias ao Café da Boca de nome francês que não me lembro mais). Todos os caminhos levam à XV! Eu ainda era muito criança, e foi por lá que me foi permitido passear sozinha pela primeira vez. Me lembro de ser muito menina, com uma saia godê vermelha com estampa de estrelinhas brancas, a andar por toda sua extensão e celebrar minha primeira liberdade.) 


Hotel Glória (eu devia ter uns oito anos e a família foi passar alguns dias de férias no Rio de Janeiro. Nos hospedamos no Glória. Eu fiquei encantada com o hotel: os corredores luxuosos, os quartos amplos, a luva branca do ascensorista, o impressionante café da manhã e a piscina imensa, com cascata, vestiário e seus incríveis acessos e espelhos. Num dos dias de passeio, consegui, sabe-se lá com quais argumentos, a convencer meus pais a me deixar um tempo no hotel. Meu irmão me fez companhia e nos divertimos pra valer em cada metro que conseguimos ocupar.)


Beto Batata (o Beto, com toda generosidade que todo mundo conhece, uma vez preparou festa de lançamento dos meus livros. Organizou almoço, chamou músicos, fez divulgação. Ele tratou de tudo de uma maneira muito linda e comovente. Vivi um dia maravilhoso, cercada por amigos, por carinhos, por grandes acontecimentos. Ao final de tudo fui agradecer, ele pegou uns passarinhos de origami e me soltou um punhado na mão: “Voa menina, voa”.)



Roda de Choro no Parque Barigui (antigamente havia todo santo sábado uma roda de choro num café-quiosque-boteco-lanchonete do parque, a Casa Amarela. Era a glória! Boa música, diversão, clima leve, a paisagem do parque, crianças, cachorro. A família era freguesa. Tenho especial lembrança de um dia: comemorava-se aniversário de Pixinguinha e a música comia solta, muita gente, muito sol, muito calor. Estávamos todos: Dé, Livia, Roberval, Danilo e eu. Meu pai chegou. Os amigos chegaram. Muita gente boa se encontrou sem marcar e lá ficamos até o sol acabar, até o som terminar, até a casa fechar.)

Antonina (todas as vezes, mas especialmente num final de ano. Eu estava hospedada no Capella, bem no centro, num quarto com janela pra praça. Calor, muito calor. De repente, uma tempestade. Dez e pouco da noite a energia acabou na cidade inteira. A janelona escancarada trazia vento fresco, barulhinho bom e o brilho dos trovões. Dormi. Acordei com a banda da cidade no coreto a tocar as músicas ensaiadas para uma festa programada que tinha sido cancelada por conta da chuva. Ainda caía água, ainda não tinha luz, mas a bandinha se manteve fiel ao compromisso e tocou por mais de hora. No dia seguinte, sete da manhã, a caminhar pela cidade ensolarada: um carro muito velho, com som muito alto, passeava pela cidade solitária, no toca-fitas: “Anunciação”.)

Clube do Choro (uma vez estava em Brasília num evento lindo que me tinha como principal convidada, lá no T-Bone – vale saber desse lugar. Havia combinado com um casal de amigos a ir em seguida ao Clube do Choro para assistir o Paulo Moura, de quem sempre fui fã. O relógio andava super rápido e as pessoas continuavam a chegar e a ficar. Pelo adiantado da hora eu já havia tirado dos planos o show. Quando tudo terminou, o casal me puxou pela mão e me enfiou no carro, quase meia-noite. As ruas de Brasília, as distâncias de Brasília… quando chegamos, vi Paulo Moura numa escada externa e lamentei minha sorte, achei que tinha acabado de acabar. Qual o que!? Entramos. Muita gente, lugar lotadíssimo. O Reco do Bandolim nos pegou pela mão, nos acomodou na melhor mesa, “reservado” e deu a ordem para um funcionário: “Pode começar!”, Paulo Moura e sua endiabrada e abençoada clarineta tomaram o palco e um dos momentos mais incríveis da minha vida de ouvinte começou.)



Show do Brasileirão com Sá e Guarabyra (foi numa virada cultural, estava muito calor e havia muita gente. Eu não gosto de multidão, carecia de uma sombra para acomodar a Lívia e ainda por cima precisava trabalhar com o pessoal da TV. Ficamos, as duas, num cantinho reservado, junto com a equipe. Daquele lugar conseguia ver o show e o Dé que se sacudia no meio da plateia. Eu vivia momentos de emoção porque foi naquela época que tudo se confirmava para ele ir embora do Brasil dois meses depois. Quando tocou “Mestre Jonas”, uma das preferidas tanto do Dé quanto da Lívia, nós três dançamos, cantamos, pulamos e nos olhamos. Era a comunhão de muitas coisas com o mais velho solto no meio do mundo e a mais nova agarradinha no meu vestido. Tudo isso ainda foi coroado com almoço entre amigos com muita conversa, cerveja e alegria.)

Ribeira(quando cheguei em Portugal já havia vivido várias emoções do momento: reencontro com o Dé , reencontro com a Janete, passeios por Paris e arredores, viagens longas, viagens curtas, trem, carro, avião, etc., etc., etc. altas coisas. Quando olhei pra Ribeira, as casas de vinhos, a ponte, o rio, grande Douro!, as lojinhas, barraquinhas, as comidas, as gentes falando português, nós três a contemplar aquela maravilha toda e o Dé a nos contar sobre as coisas da freguesia de São Nicolau, ali, bem naquele instante, cheguei num lugar muito bonito dentro de mim.)



Santa Teresa (eu acho estranho Espírito Santo não ser um lugar ultra turístico. Conheço pouco, mas tudo que vi aprovei com louvor. A primeira vez da minha vida adulta foi há pouco tempo e tive o grande prazer de ser convidada a um passeio por uma cidadezinha na região serrana. Santa Teresa, a cidade, não tem nada de extraordinário se comparada com as belezinhas do interior desse Brasilzão; a natureza é uma maravilha: um milhão de colibris, flores variadas, sapos cantores, mata atlântica e tal. Mas há qualquer coisa de muito mais especial que isso tudo. Há na atmosfera um clima reinante de lugar encantado, de comunhão com o natural, de liberdade, de transcendência. O tempo pára de mexer.)


Acho que todos esses lugares não são lugares. São instantes que, de alguma forma, me encontrei comigo mesma ou encontrei alguma coisa muito boa dentro de mim…

Todas essas fotos eu tirei da internet, sem créditos, sem assinaturas, sem autores. Uma pena!




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