Amanheci dentro de um dia perfeito.
Quando cheguei na cozinha, a pia estava limpa, seca, vazia, o suco pronto, pão quentinho.
Apertei o botão e Mozart, rápido mas não muito, tocou baixinho pra mim.
Com os primeiros raios, veio o cão. Preguiçoso, deitou-se no tapete e encostou a cabeça no meu pé. Ficamos por ali, em silêncio, vendo o dia chegar, os barulhos anunciantes, o friozinho pela janela, árvores em balanço suave.
Disse não ao jornal e saquei Meireles, a Cecília, abri em página qualquer, como amuleto da sorte, oráculo do dia, biscoito chinês, dica zodiacal. Para melhorar o que já parecia o ápice, ela me disse assim:
Vejo-te em seda e nácar,
e tão de orvalho trêmula,
que penso ver, efêmera,
toda a Beleza em lágrimas
por ser bela e ser frágil.
Meus olhos te ofereço:
espelho para face
que terás, no meu verso,
quando, depois que passes,
jamais ninguém te esqueça.
Então, de seda e nácar,
toda de orvalho trêmula,
serás eterna. E efêmero
o rosto meu, nas lágrimas
do teu orvalho… E frágil.
O escândalo das primeiras horas se perpetuou durante o dia e hoje nem senti falta do mar…