um minutinho de silêncio, por favor


quando o trem parou em Bruxelas eu já tinha reclinado um pouco a poltrona, feito do casaco cobertor e espiava a paisagem como quem começa a entrar em sonho. preguiça boa: corpo leve, cabeça tranquila.

nessas condições que meu colega de viagem sentou-se ao meu lado. agitado, falante, cheio de movimentos e tiques… perguntou, como se fosse possível não saber, para onde iria o trem. respondi só com palavra de destino e virei a cabeça para a janela. 
e isso tudo, isso tudo que contei detalhadamente, foi a deixa para que ele disparasse conversa.

com a revelação da minha nacionalidade, ele começou o papo tão chato sobre o-que-aconteceu-na-copa. metralhadora fora de controle, disparou suas teorias sobre o assunto. elas eram muitas, elas eram tantas, elas eram tão infinitas quanto improváveis. 
se eu não tivesse querendo exercer meu direito curitibano de viajar calada, poderia ter sido divertido ouvir um inglês que nunca pisou no Brasil, que não saca muito de futebol, que não assistiu a Copa explicar o ocorrido. mas não era o caso.

tentei, primeiros minutos, contar-lhe sobre algumas particularidades nacionais para que desmontasse sua teoria, inglesa e pronta, e se aventurasse por novos caminhos, mas não tive fôlego para tanto. perdi. não soube dete-lo e meu castigo foi ouvi-lo, ouvi-lo, ouvi-lo sem reação ou debate, sem pergunta ou comentário, sem concordância ou questão. e a partir do quinto ou sexto minuto apenas ouvi. 
monólogo infinito! 

eu, que normalmente tenho os ouvidos para o mundo, queria muito que o silêncio reinasse quieto e manso como deve ser em todo trem que desliza em qualquer lugar do planeta. 
providência amalucada: troquei de vagão. o que fez o inglês? a mesma coisa. veio atrás de mim e tratou de continuar. 

padre em confessionário, não tive outro pensamento a não ser o lamento sobre a constatação de como demoram os trens rápidos na Europa…

quer comentar? não se acanhe.

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