um pequeno defeitinho, não sei se você percebe

não sei se ainda existe isso, mas antigamente quando se era candidato a uma vaga de emprego, a pessoa ia até a firma, roupa especial, e preenchia uma ficha. questionário imenso sobre tudo que compunha a vida do pobre diabo. número de documentos, filiação, profissão dos pais, experiências na função pretendida e em todas as outras, passa-tempo, preferências, etc, etc, etc. era quase um primário caderninho de confidências.
lá pelas tantas tinha um lance assim: indique uma qualidade, indique um defeito. como se já não bastasse litro de tinta de caneta desperdiçado em informações irrelevantes, ainda tinha o cansaço do exercício do auto-conhecimento e a desgraça de produzir provas contra.
tenho medo de buscar informações e chegar à triste descoberta que isso continua igual. espero mesmo que não.
uma amiga que trabalhava num RH de uma grande empresa um dia me mostrou tais fichas e sobre os defeitos estava lá, quase unânime: sou muito sincero.
anos mais tarde, eu e Gabriela Brandalise nos divertíamos com esse “defeito” e quem assume tê-lo: O meu maior defeito é ser sincero; eu falo mesmo, quando não gosto de uma coisa, eu digo logo de uma vez, porque sou sincero.
 
a inversão de fundamentos é tanta que acabou se tornando piada.
primeiro, sinceridade não é defeito.
segundo, quem fala tudo que pensa, não tem freio nem filtro, não tem educação, não tem noção da convivência em sociedade. e isso sim é defeito.
na esteira de se perceber e apontar, depois da tal sinceridade, vem outras características igualmente risíveis: perfeccionista, dedicado, preocupado com o outro.
caçarola! eu sei que para algumas pessoas é difícil se conhecer, para outras se assumir e por fim, mais ainda declarar o lado negro da força. claro que é! e por isso defeitos vão sendo inventados, outros maquiados e assim vamos preenchendo as fichas de emprego. ou as frases que nos definem nos perfis das redes. ou as conversas que julgamos íntimas com amigos.
nesse tempo todo de terapia de botequim nunca ouvi ninguém declarar de peito aberto ou de canto de boca sou uma pessoa egoísta, primeiro eu, depois eu, e em terceiro, o resto; ou alguém que assumisse tenho inveja de fulano porque ele ganha mais dinheiro do que eu; ou ainda a tão humana e comum hipocrisia, falo de um jeito, defendo algumas ideias e ajo exatamente ao contrário.
não sou partidária de que a gente tenha que sair por aí a bradar aos quatro ventos a própria pequinês de espírito. não! ela não pode ganhar voz e tem que ser combatida na frente do espelho todos os dias. mas daí a se florear a ponto de fazer com que características positivas ganhem ares de defeitos só para se mostrar acima de qualquer traço humano, é meio demais.

para quem tem os defeitos de ser sincero, perfeccionista, dedicado e preocupado com o próximo, curiosa, eu pergunto: quais são suas qualidades?

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