a queda

sou estabanada. desde sempre. tropeço, esbarro, derrubo.
até hoje não consegui identificar se é um problema de noção corporal ou uma coisa que vive desligada porque me distraio olhando o mundo e esqueço de prestar atenção nos detalhes ordinários.

aos 15 anos, quebrei meu tornozelo. não foi culpa minha.
saltei de paraquedas e tudo tinha dado certo, mas quando estava chegando no chão, o vento mudou de repente e fui arremessada num hangar. instinto de proteção, troquei as mãos pelos pés (!) para aliviar o impacto na flexão dos joelhos. mas o tornozelo direito não gostou, virou e ploft, desde então minha vida nunca mais foi a mesma.
meu pé tem humores. é quase um ser independente. quando menos espero ele faz brincadeiras bem grosseiras comigo, fica bambo, treme, me faz perder estabilidade, desarmoniza tudo e me derruba.

ontem, eu caminhava tranquilamente pela avenida Iguaçu. pouco movimento, solzinho fraco, minha mãe no telefone.
esquina da Pasteur, paro, olho, escuto e dou um passo para atravessar a rua. sabe-se lá porque cargas d’água, meu tornozelo tratou de falhar. virei o pé e me estatelei no chão.

quando eu digo que me estatelei no chão, eu quero dizer que me estatelei no chão mesmo. foi um tombaço, uma coisa ridícula, grotesca e cinematográfica.

ai mãe, preciso desligar, eu caí. / caiu onde, Adriana? / caí, mãe, caí na rua. depois eu te ligo.

a vergonha só não foi maior porque na hora eu estava mais preocupada com a dor: no meu temperamental pé, nos joelhos, na mão.
fiquei uns instantes sentada no meio-fio. primeiro chorei, de dor. depois ri, de mim.
tentei me recompor como pude. assim que consegui levantar, alisar a roupa e arrumar o cabelo, liguei de volta para minha mãe. sabia que ela estaria preocupada.

oi mãe, desculpe desligar tão rápido, mas como eu te falei, eu caí e preci… / Adriana, me conte o que aconteceu, por favor, eu estou indo te buscar, onde você está? / não precisa, mãe, foi só um tombo, já passou. / meu deus!, te assaltaram e te derrubaram? / não mãe, eu só caí, caí sozinha. / esse mundo tá perdido mesmo! é tão perigoso falar no telefone na rua, Adriana. e só levaram o teu telefone ou roubaram tua bolsa também? / mãe, ninguém me assaltou, eu estou falando com você do meu telefone, tá tudo bem. / Ai, Adriana, eu te peço tanto para você não andar por aí falando no celular, imagine, podiam ter roubado tua bolsa, teus documentos. / mãe, pare de ser doida, ninguém me roubou. / então o que aconteceu?
contei a história toda de volta. ela ouviu e recomendou que eu não falasse mais enquanto estivesse na rua e engatou um papo que levou mais uns 20 minutos. quando eu disse que tinha que desligar, seguindo suas recomendações, ela disparou: você nunca me liga e já vai desligar?

volto pra casa abatida, desencantada da vida… na trilha perfeita de Vanzolini, sacudo a poeira e dou a volta por cima. pena de mim, não precisa.

resultado:

quer comentar? não se acanhe.

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