aprendi sentir saudade

naquele tempo em que era possível esticar a mão e encostar no mundo ao abrir a porta de casa, eu não sabia sentir saudade.
qualquer alteração nas faculdades me fazia agarrar o telefone e tratar de explicar minha condição.

se a vontade era de andar solta pela XV, enfiava o tênis e me largava na caminhada.

a Bahia era logo ali e eu arrumava, na ponta dos ponteiros, nas moedas do banco, uma forma de me jogar naquele marzão azul e verde.

era bom procurar diariamente passagem barata para poder rever amigos, lugares, paragens.

eu não sabia sentir saudade.
ficava logo agitada, achando que saudade possível era só do que era impossível: rever minha avó, entrar pela primeira vez no Guaíra, deslizar na grama molhada nas tardes de chuva com meu irmão, sentir o primeiro olhar dos meus filhos na sala de parto…

hoje eu sei que saudade é sentimento de ter. ter e pronto. e ponto.
penso nos meus amigos. na minha família. nos meus filhos. penso neles com vontade dos sorrisos e com a força de mil baleias que jorram água para cima. penso, sinto e fico quieta.
não há serventia em gritar sobre minhas saudades. não é confortável para ninguém e do outro lado da linha virá a inevitável explicação de que precisamos esperar que esse absurdo passe. e eu sei disso.

sentir saudade é uma coisa muito íntima, aprendi, não se conta.
é emoção para sentir calada, na onda da memória e no reconhecimento do intelecto de tudo aquilo, de todos aqueles, que fizeram, que fazem, bem.

com o passar dos anos, fui entulhando minha coleção de passado com tudo quanto é tipo de coisa, agora desembarquei num cais que exige uma peneira para permitir que só os quilômetros de prazer e os milímetros de amor sejam percorridos pela memória.
minha saudade, silenciosa e solitária, pode desembarcar em qualquer estação.
estará salva.
e muda.
como deve ser.

quer comentar? não se acanhe.

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