receita de tainha

cutuquei a Musa. pedi que ela voltasse a me fazer companhia nesses dias áridos. ela me vira as costas, me castiga. silêncio de mil textos.

mostro a língua pra Musa, dou de ombros. tenho companhia no blog e recebi sugestões. várias. assuntos que começam em mim e terminam no mundo. ou vice-versa, não sei bem.

trato por ordem de chegada. e me desculpo por antecedência caso alguma cartinha não seja atendida. nem sempre consigo…

a Dã me escreveu a pedir que eu publique receita. acostumada ao vai e vem de almoços e jantares aqui em casa, solicitou os mistérios, segredos e os cantos da sereia. fez longo elogio aos momentos vividos e pediu bis.

o mais legal disso tudo, é que me meto na cozinha só por farra. tenho total consciência de minhas limitações e se tudo dá certo no final é só porque o objetivo maior não é a comida, mas o encontro.

tainha recheada.

sempre gostei muito de tainha. mas de uns tempos pra cá tenho ficado um tanto incomodada em comer bichos. bilhões de anos para chegar ao topo da cadeia alimentar e eu fico me sentindo meio errada em ocupar esse lugar. mas essa coisa dura pouco, duas ou três garfadas e retomo o sangue nos olhos e parto, ogro, para o ataque. a temporada se anuncia é hora de pensar na receita.

aqui em casa tenho um jeito que muda pouco, pouquíssimo ano após ano.

telefono pra peixaria, converso sobre o tempo, a greve do momento, o preço das coisas, a falência do Estado e, finalmente, os movimentos do mar. vem a resposta se haverá tainha fresca nos próximos dias. o peixeiro é um misto de astrônomo, meteorologista e pescador. poderes para prever o futuro. na afirmação, faço o pedido.

no dia marcado, almoço e encomenda, acordo cedo, arrumo a casa, espano o pó, deixo que o vento de fora entre e transforme tudo.

tomo banho demorado e escolho roupa confortável. arrumo a mesa. tenho grande prazer em arrumar a mesa: pratos, talheres, guardanapos, enfeites, taças, temperos e o que a ocasião pedir. olho para os lugares vazios e sorrio para meus convidados, imagino-os em conversa, em risadas, em contação de histórias, em confissões. vivo-os antes de suas chegadas. festejo a sorte de tê-los encontrado e a maravilha de poder renovar isso sempre.

saio e comemoro o prazer do desfile no Mercado Municipal. quando chego à peixaria já tenho ingredientes, temperos, bebidas, aperitivos e flores. além da tainha, me espera uma ou outra sugestão do dia.

volto pra casa na felicidade do carro perfumado de pétalas, alfavaca, coentro e salsinha. o trânsito não me perturba, estou a voltar pra casa, em regresso, no caminho do amor.

quando chego, assumo minha coroa, meus ares de rainha, prendo o cabelo, preparo um drink, Frank Sinatra entra e começo a cozinhar.

a mesa posta não é aqui de casa, porque minha irmã diz que não sei arrumar direito: “a faca SEMPRE à direita, Adriana, longe do garfo, NUNCA juntos”.

 

quer comentar? não se acanhe.

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