andei por Guimarães num dia triste.
recusei comprar guarda-chuva para enfrentar a garoa fina.
neguei também me abrigar num café, numa loja, numa marquise.
entre mim e a água há o mundo.
olhei para todos os ímãs de geladeira de todas as lojinhas.
pensei que se tivesse muita atenção poderia encontrar o especial que iria me dizer sobre aquele dia estranho.
não.
fui a Guimarães por causa de providências burocráticas.
tribunal, selos, papéis, carimbos, permissões.
a burocracia é uma instituição.
quantas árvores em nome das autenticações!?
depois do dia cinza, entrei no ônibus para voltar para a futura ex-casa. uma casa que já não tem as paredes, que não testemunha conversa entre os livros, que vive no silêncio da música, que ainda rega as plantas, mas não tem as camadas de roupas de cama.
uma casa burocrática.
foi no caminho, é sempre no caminho, a aventura do dia.
uns quilômetros de estrada e uma fumaça densa, forte, branca dentro do ônibus.
acostamento.
depois de alguns minutos, reparos, providências e comentários, o movimento.
o ônibus avançou entre curvas e pontes, com fumaça e um barulho aterrorizante vindo do motor.
nova parada.
desci e fiquei, com ares de inspetora de escola, observando o motorista e sua tentativa de realizar o ofício de mecânico.
recusei seguir viagem.
peguei meu casaco, minha mochila, meus papeis assinados, carimbados, protocolados, autenticados e finquei o pé no asfalto como se fosse um poste de sinalização de perigo.
eu não vou neste ônibus, falei firme.
era preciso, me contou o motorista, pedir autorização à companhia. também me opus a gastar minha serenidade com esta burocracia.
repeti, eu não vou e esperarei aqui por um transporte em condições.
eu também não vou, ouvi atrás de mim. eu também. nós também não vamos. e assim formamos um uníssono. receosos e revoltados era o nome do nosso coro, a se apresentar ali, na beira da estrada, no meio do nada, debaixo da chuva fina.
duas horas depois, estávamos a caminho do destino.
no ônibus novo, criou-se uma irmandade curiosa. todos que não eram de Curitiba conversaram animadamente contando casos de viagem. ouvi as conversas no silêncio da paisagem.
três horas e meia depois da primeira parada, estava em casa a tratar da entrega das chaves, do fim do contrato, dos ajustes derradeiros, do adeus.
apesar de ser a casa, o lar, tudo feito de um jeito muito protocolar: apertos de mãos, votos de felicidades.
