colher e escrever uns textos

é o que estou a fazer.
descolei um trampo em uma vindima. passo minhas horas de camponesa a encher caixas com uvas que serão vinho.
a uva e o vinho. entre os mil processos que acontecem entre uma ponta e outra, estou eu, inserida nesse contexto surpreendente que me exige força e bom humor, atenção e fone de ouvido, tesoura e chapéu.

muitas coisas passam pela minha cabeça enquanto colho uvas e penso na frase ora et labora.
minha forma de oração é escarafunchar meus pensamentos e ações. descobrir o que vai se formando nesse fio de escolhas que fiz até chegar aqui, neste dia, neste sol, em que desprezo o horário do almoço para escrever.

é interessante poder viver uma nova experiência. mas o que quero com tantas novidades nessa minha existência que não se conforma com a rotina e ainda assim a persegue desesperadamente para garantir os vícios básicos?
por que, perto de bater na porta dos 50, ainda procuro um lugar no mundo em que tenha sossego?
cadê aquele futuro planejado e traçado em linhas retas sem solavancos?

conto o tempo no tique taque da tesoura. é assim que as horas são medidas aqui. encho cestos e essas cores todas me chacoalham a existência.
quem sou eu no meio dessa multidão de uvas? quase um bicho, sentada no mato, na hora do almoço. tenho consciência dos meus joelhos e tornozelos, coluna e pulsos. o pulso ainda pulsa…

quer comentar? não se acanhe.

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