essa cidade me atormenta

carrego-a comigo em todos os lugares em que passo. quando saio, meu sotaque se acentua; minhas tintas ficam mais fortes; tenho orgulho e contradições a respeito das araucárias – somos isso, mas não só isso; falo de clima e parques, histórias e teatros, músicos e escritores, avenidas e bosques. viro guardiã, protetora, assumo todos os valores e até umas coisas meio positivistas despencam em mim, ui Dalton.

quando volto pra casa, a cidade me maltrata. solta flechas venenosas em forma de comentários, braços cruzados, rostos trancados, nariz em riste: a cidade não me protege, não abraça os filhos, não se orgulha. virou casa ao contrário, que risca os seus limites para escravizar os seus e glorificar os de outra ordem.

minha cidade, infeliz, pescou traços de outros lugares, dos lugares do mundo, e se deixou construir um prédio aqui, um prédio ali, um prédio acolá todos cafonas, todos com mármores italianos, com janelas francesas, com nomes americanos. uma salada de oferendas que já não servem mais para os lugares do mundo, amontoado de lixos que cobre os cavalheiros da Boca Maldita e apaga as luzes do Guaíra. resolveu que para ser grande, precisava ser cara; aumentou os preços, diminuiu a qualidade. quis se libertar do que achava ruim, alcunha de província, e se transformou em mais uma, uma a mais.

mas se ando na rua e a chuva mesquinha cai deitada e escuto maritacas histéricas nas copas ou o grito da borboleta 13 ou o burburinho do calçadão ou se dou um tropeção num petit pavé levantado por raiz, o amor se renova, se refaz dentro de mim e sinto Curitiba inteira, todos os cardeais, como jardim da minha casa. o quintal em que planto, planto, planto e vez ou outra colho, lugar em que jogo sementes de camomila e nasce pimenteira. Curitiba tem vontades.

as fotos da Lina Faria, os humores do Fabio Campana, a música do Conservatório, as gentes na XV, o sorriso do Zé no São Francisco, a onipresença do Mazzinha, os guris em frente ao Torto, a janela da Iara, as estampas do Garfunkel, a Praça Alfredo Andersen, as luzes do Guaíra, a Banda Mais Bonita da Cidade, o Vestido Branco do Lápis, o paletó do Jaques Brand, as narrativas da Ilana, o Maringas armado, o Otássio em discurso, a voz do Mazzão no rádio, os entendimentos e explicações do Luís, o magistério da Renata, o tio Durval, o Retta, o Marcio Renato observando, os passinhos e acordes do Waltel, os rios, o Oswaldo Rios, a Dirce, as torres da trincheira da Muricy, a boniteza do Paiol, a florada dos ipês, o terminal do Portão, a pracinha do Pinheiros, os armazéns da periferia, a igreja dos Passarinhos… tudo Curitiba, tudo um pedaço da Curitiba que me compõe e de onde sou e para onde sempre volto e de onde quero fugir.

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