fim

Mary Ann Evans, romancista que viveu no século retrasado publicando com o pseudônimo de George Eliot, disse em diálogo em um de seus livros que não lembro agora que “em cada despedida existe a imagem da morte”.

concordo.

dizer adeus é cortar para sempre uma parte de si próprio. boa ou ruim, não importa. vai junto com o fim alguns pedaços que não podem mais ser, mas são teimosos e assombram a memória.

não sei dizer se a fatia mais difícil que insiste é a da parte boa ou a que morou no inverso.

não é simples lembrar dos momentos. os que fizeram sorrir, delirar, flutuar, depois da despedida pertencem à morte e lá em sua casa, as mãos não alcançam, a boca não beija, o olho não vê, a mão não toca. do outro lado da moeda, o que era pravo de repente dói, maltrata, castiga, levanta uma faixa muito grande com a palavra injustiça pintada com cores e serifas decompostas.

a morte, essa imagem da morte que mora no adeus da Mary, do George, meu, seu e de qualquer outro personagem que vaga por aí em ciclos, é o castigo de continuar vivo/viva apesar da despedida. é o pranto que se desespera toda vez que a foice daquela macambúzia estilhaça um pedaço da gente. é quando a gente olha pela porta e parece que vai chover, mas não chove porque o sol da lembrança brilha ardente, ardendo, queimando, tostando, consumindo.

e assim a gente vai conhecendo um pouco todo dia o rosto dessa visita sem convite, que os distraídos acham que só verão única e definitiva vez, mas que a cada pôr do sol, a cada aceno, a cada beijo que já não acontece, a cada pétala que cai da flor, a cada adeus seja ele qual for, mostra um pedaço.

até poderia ter alguma beleza nisso tudo, mas a imagem da morte nesse reflexo da despedida é o terror e o medo que se anunciam na palavra fim.

fim.

Uma resposta

  1. Estefânio

quer comentar? não se acanhe.

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