à beira do caminho

penso nessas casinhas de beira de estrada. pouca coisa me enternece desse jeito.

seus cuspes de fumaça azul; os latidos daquele cachorro preto; o portãozinho entreaberto, madeira gasta de chuva e sol, ninguém passa por ali, mas ele existe como guarda e resistência. 

numa dessas casinhas, eu sempre penso, alguém cuida das galinhas e alguém cuida das couves. e à noite, depois da canja, há uma conversa muito besta sobre qualquer corrente filosófica que atravessou os anos, foi protegida pelos muros acadêmicos, frequentou círculos muito restritos, aconchegou-se no colo dos intelectuais de várias épocas, para acabar pendurada na boca de um homem sem nenhuma instrução: filosofia de um lado, paieiro de outro, e ele decreta que Deus está morto. 

gosto de pensar nessa casinha de beira de estrada também porque me comove essa preferência de morar no meio do caminho. deve ter qualquer coisa de muito particular em não fazer parte de nada, lugar nenhum, nenhuma cidade. morar sem laço, sem divisão, sem essa aventura do convívio cotidiano.

as galinhas e as couves, o cachorro e o portão, a fumaça e as tábuas gastas, são o universo e todas as estrelas ao mesmo tempo. são também a síntese do mundo devagar, que Drummond cantou. 

gosto da casinha com fumaça azul e sua gente simples e solitária, que empurra os dias com a mesma força que ergue carrinho de mão para tratar do trabalho. 

gosto também porque às vezes, toda minha vida parece essa casinha solitária e pobre à beira da estrada, um marco fincado no meio do nada por onde passam as gentes do mundo sem ver nem se importar.

no fundo, eu sou mesmo essa casinha de paredes tortas, fumaça azul e algumas folhas mortas pelo chão. e gosto de ser ela porque me camuflo na paisagem e os chatos não me veem e não podem ter única palavra comigo.

quer comentar? não se acanhe.

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