os dias inesquecíveis da minha vida – 1

era verão. mais, era 31 de dezembro.

em Antonina a banda da cidade se preparava para festa no coreto da praça. a narrativa poderia parar aqui, porque essa frase assim, descolada e solitária, já é uma poesia de tantas imagens que não é preciso mais nada. mas a cidade insiste, supera.

o sol do verão promoveu aquelas coisas que eu deveria ter aprendido nas aulas de física: evaporação, condensação e sei lá mais o que. chuva, muita chuva. acho que foi o dia que mais choveu na Terra. na medida em que a noite avançava, a água caía mais impiedosa.

a luz elétrica já tinha ido embora há muito. no quarto do hotel, em frente à praça, deitei por volta das dez da noite. com o imenso janelão aberto fui embalada pelos barulhos e luzes do temporal. dormi.

acordei.

meia-noite ainda chovia muito, ainda não tinha luz, ainda água em corredeira pelas calçadas. Antonina inteira dentro de casa.

a banda da cidade, valente e responsável, subiu no coreto para tratar do compromisso. ao sinal do maestro encheu a cidade de música. quanto mais forte era chuva mais bonito e robusto era o som.

da janela do hotel conheci outro rosto dessa cidade deslumbrante: missão dada é missão cumprida. músicos destemidos me contaram em notas que não há intempérie capaz de segurá-los.

dia seguinte, depois da tempestade, o sol-maçarico se exibia às sete da manhã com toda sua potência. a cidade ainda estava vazia e no caminhar pelos corredores históricos, passou por mim um carro muito velho com o som muito alto, na ponta da agulha, um inacreditável Alceu Valença: Anunciação. “na bruma leve das paixões que vêm de dentro, tu vens chegando pra brincar no meu quintal…”.

acho que essa foi a poesia mais linda que vi.

foto tirada do blog Família Petroski

 

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