mil silêncios depois

voltar a escrever é como encher os pulmões com todas as purezas das seis horas da manhã. meu silêncio no papel começou tímido, sem grandes demonstrações, procurando não chamar muito a atenção. eu não queria ter que explicar. não saberia. depois, com o passar de nada atrás de nada, algumas pessoas notaram e gentilmente me perguntaram.tentei acenar com a verdade, mas pouquíssima gente até hoje …

feriado e silêncio

com um cabelo mais curto, mais branco e mais seco me sento em frente do computador para escrever. atrás da tela, o espelho. pela periférica, eu percebo meu corpo do outro lado, poucos movimentos, e uma fumacinha que chega cheirosa do incenso que queima na sala. a parede amarela, a cama gris, a cortina que balança devagar. essa ruga cada vez mais funda no meio …

beira do mar

quando eu era menina, antes da partida definitiva para uma viagem grande de verão, não era raro que as manhãs de domingo acontecessem na expectativa de um dia de praia. meu pai analisava o tempo, como se entendesse alguma coisa sobre o assunto, e adivinhava se choveria ou não durante o dia. com sua resposta, que desconfio que tinha mais relação com seu humor do …

Curitiba, sorriso de ouro e chumbo

houve um tempo na minha vida em que conhecia como sinônimo de férias intensas umas ações como andar por lugares desconhecidos, mergulhar em mares transparentes, ouvir histórias e sotaques, beber coquetéis de frutas que nunca havia ouvido o nome e por aí vai. e por aí iam aqueles dias em que escorregavam minhas folgas do cotidiano. passei um mês no Brasil, fincada em Curitiba, a …

meu pai e eu

um céu de fogo no horizonte. foi o que eu vi quando saí do hospital. no telefone, a voz da minha mãe, as objetividades das perguntas.   meu pai no hospital, entre frágil e teimoso, engraçado e depressivo, submisso e esperançoso.  não sei ser responsável por meu pai. não sei mais contrária-lo e enfrentá-lo. com os anos aprendi a ser um tipo de filha que acata …

raio xyz

há alguns anos tive uns problemas. sérios.contraí os músculos, estabeleci uma posição de defesa, tranquei o rosto. como herança que se identifica de imediato, duas rugas fundas e irreversíveis entre os olhos e um maxilar duro, que pressiona os dentes, retira naturalidades e impõe pouca conversa.  de lá para cá perdi a ponte da influência sobre o que incide sobre o que. se antes, o meu …

timidez da copa

por distração, fiquei sabendo sobre a timidez da copa. trata-se de um termo botânico que pode ser entendido pela imagem. timidez da copa. timidez do corpo. este acanhamento, esta distância regulamentar, esta inibição que algumas vezes aprendi na infância… tudo um jeito de silêncio, um recalque para manter o mundo em ordem e a vida entre longos rios invisíveis que separam e acabam por desordenar …

inventei uma cor

acordo bem cedo todos os dias. seis horas da manhã no inverno é ainda mais cedo do que quaisquer outras seis horas da manhã. noite, silêncio. passo o café com entusiasmo. fazer café no silêncio da noite da manhã é um prazer que presto atenção e que todos os dias me surpreende e me permite um sorrisinho seguido de um suspiro que sai pelo nariz. …

balanço

2022 passou por mim sublinhando as linhas da saudade.  nunca antes havia passado tanto tempo sem ver a Lívia. o Dé veio e foi. Sergio viajou para o Brasil uma vez e depois mais outra e lá está. a visita do meu irmão durou o tempo de três nascer do sol.  as festas de fim de ano se apresentam de um jeito inédito. sozinha em …

o que tem no fundo do rio?

com a seca do verão chegou para mim a frase ‘o que tem no fundo do rio?’. todos os dias, ao cruzar a ponte, ao andar pelo lado, ao ver de cima ou no giro do pescoço, a mesma pergunta. uma inquietação nova para a coleção. um sofrimento inexplicável. saber o que tem no fundo do rio se transformou numa questão filosófica, doída, insistente, impermeável.pensar sobre …

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