posta restante

recebi uma carta.
não sei se posso publica-la aqui, não pedi. não sei. não publicarei.
a carta mais bonita da vida chegou até mim como uma mão estendida ao meu desespero desses dias.

não sei lidar direito com essa erupção diária de medos e preocupações e decepções e revoltas.
há um violino desafinado dentro de mim. nada é mais incômodo.

passo me arrastando pelas horas e quando percebo, o dia voou, apagou-se no Oeste – às vezes me lembro que nesta época do ano há lindos pores do sol. minha janela não permite. a varanda consente o nascer das primeiras horas, mas a cama me segura.
enquanto o relógio gira nesse tempo sem dias, em que é indiferente acordar às 5 ou às 11 horas, almoçar às 17 ou tomar vinho às 10 da manhã, penso em várias pessoas.

ligo para minha mãe todos os dias; para o meu pai, a cada dois.
escrevo para os filhos de meia em meia hora, acho.
troco mensagens com alguns amigos.
brigo com quem mal conheço pelo Facebook.
me transformei na desagradável dos grupos de WhatsApp – ou estou insistentemente xingando o presidente ou estou pedindo alguma coisa para alguém (um dente de alho para os vizinhos, o nome de livro para uma amiga, um arquivo antigo para ex-professor, a reclusão dos que insistem em sair).
sem nenhuma noção no Instagram, ontem ignorei a crise, o momento, a História e postei uma das melhores fotos que vi na vida: uma pichação num enorme muro com o dizer ‘Viva Enrique Vila-Matas’, eu amei isso, foi a Lívia, que não vejo há muito tempo, quem me enviou.
abandonei o Linkedin porque não suporto mais as conversas corporativas como se o mundo não estivesse acabando.
Telegram, vez ou outra.
Twitter só ocupo para ler manchetes, que de tão absurdas acabam dando a volta e me lançando algum humor.
minha comunicação está, como direi?, excêntrica. atrapalhada. desvairada.

mas recebi uma carta e ela, tão bonita, teve o poder de me embalar na delicadeza de um texto que, mesmo exagerado para os meus predicados, trazia palavras assim: “Nem a realidade é capaz de minimizar a sua essência. Nem a pandemia é capaz de lhe destituir de beleza”.
para manter essa comunicação dentro da perfeição do conforto que me trouxe, resolvi não responder.
está provado por esses dias que o silêncio é o que faço de melhor.

quer comentar? não se acanhe.

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