a raiva

o briefing de hoje foi uma notícia que li há alguns anos.
o resumo é assim: na Itália um casou brigou. o marido resolveu caminhar um pouco para se acalmar. andou quatrocentos e tantos quilômetros, foi encontrado sete dias depois e teve uma mini-encrenca com a justiça porque era época de pandemia e ele não podia estar na rua. teve que pagar multa, hospedar-se em um hotel, ligar para a mulher ir busca-lo e voltar para casa.
e é tudo que eu sei e lembro.

quanto é preciso andar para se acalmar? até quanto é necessário contar para voltar à idade da razão?
tive pouquíssimos destemperos na vida. raras vezes gritei descontroladamente sem saber direito o que dizia. na verdade me lembro de duas vezes, as duas em 2019. as duas com o mesmo cretino.
naquelas ocasiões não existiria caminhada que me salvasse. eu só parei mesmo porque em determinada momento perdi o fôlego e tive falta de ar e fiquei assustada achando que ia me dar um treco e eu cairia morta. morreu de tanto gritar, diriam.

não gosto de gritar. detesto. mas sinto bem dentro que as vezes seria útil para minha saúde.
se eu fosse caminhar para me acalmar todas as vezes que tenho raiva, viraria uma andarilha louca, dando a volta ao mundo.
entre as duas impossibilidades, eu engulo a raiva. respiro o ódio para dentro dos pulmões, intoxico artérias, poluo órgãos, esculhambo o avesso. por fora, uma viola, nem bela nem nova, mas uma viola reconhecível; por dentro, pão bolorento.

para resolver isso, faço análise, psicanálise.
para acelerar o processo, ensaio um tipo de exercício que conjugue mente e corpo. uma colega me disse para comprar uma esteira e tratar de tudo em casa, no conforto do lar. mas isso me faria voltar para o início do texto e eu viraria uma Forrest Gump fixada no chão da sala.
é a ioga o meu caminho. acho.
ou Munch.
como é difícil conjugar o verbo indignar.

quer comentar? não se acanhe.

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