chove, chuva

gosto desses trovões que despencam do céu, rasgam o murmurinho da cidade com o estrondo que dispara o coração, silêncio de meio segundo, e fazem lembrar que tem roupa no varal, embora eu não tenha quintal.
rápido, as janelas estão abertas.
esse prenúncio de que a chuva cairá forte e logo estará a correr deitada, afogando meio-fio, lavando o asfalto. esse destino de cidade encharcada. essa ilusão de que o ar será mais puro. e esse anúncio de fim do mundo…
gosto também da troca. se for dia, as cores mudam e uma escuridão cai cobrindo a cidade; se for noite, os clarões iluminam os contornos das sombras.
os faróis dos carros acesos. o barulho dos pneus nas poças. o guarda-chuva que quebrou. a barra da calça molhada. pés gelados.
aquele medo que a luz acabe, aquela vontade que a luz acabe. tem vela em casa? alguém ainda usa vela?
ah! os torós de bueiros em chafariz, de correnteza nas ruas, de copas balançando, de alarmas disparados, de pedras que pipocam nas janelas.
os torós dos grandes tempos, generosos, que não querem ser garoa miúda nem chuvinha mesquinha, que não suportam a mesmice cinza e parada dos dias sem sol.
os torós que precisam ser vento, água e clarão.
assim eu gosto.

quer comentar? não se acanhe.

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