disléxica

tenho um traço de dislexia. 
ele aparece aqui e ali em textos pouco revisados e em leituras que arrastam parágrafos num vaivém demorado até retomar, ou achar, o fio da meada e seguir. 
não há muito que eu possa fazer em relação a isso. 
já tentei algumas providências que não alcançaram o sucesso esperado. 
 
medidas contrárias que reforçam o problema tenho aos montes.
uma delas é um vício recente: anagrama. 
passo horas a tentar descobrir filhotes que roubam a herança genética da palavra mãe para existirem no mundo, como se a lógica fosse esta (palavra maior primeiro, pequenininhas depois), esquecendo prefixo, sufixo, derivação, composição e qualquer outra marcha que coloque o exército de vocábulos no mundo.
adoro desvendar anagrama!
o hábito aumenta a força da dislexia porque fico numa corrida louca, a forçar a barra para chegar aos resultados possíveis. e quando digo forçar a barra, me refiro a coisas esdrúxulas como tentar umas quinze vezes escrever o adjetivo cínica com s. ou encucar que a palavra artida existe e grafá-la milhares de vezes e junto com isso inventar sinônimos e exemplos que cabem em contextos muito bem elaborados. 
 
fosse só isso, até que nem tudo estaria perdido.  
mas o negócio, como sempre, vai além.  
 
há alguns anos descobri que que sou disléxica na forma de pensar. a maneira como vou fazendo as conexões mentais denuncia um tipo de anomalia que vira e mexe me lança num mar de complicações. 
 
um exemplo. e só um para não alongar o texto ou afastar os amigos. 
funciona assim: em vez de eu identificar situação, entender seu significado e processar tudo isso – o normal dos viventes –, eu trato de uma situação já processada e decodificada de forma diferente. 
vou tirando suas partes, arrancando os pedaços, puxando suas roupas, transformando o que já é em pedacinhos que ainda não são e ao invés de ter uma conjuntura íntegra eu coleciono uma série de fragmentos de vida. pequenos nacos disto e daquilo que não formam um absoluto, nem sequer um resumo, uma resenha…
 
como eu estava a dizer, um exemplo: se me perguntam ‘como foi a viagem, Sydor?’ eu respondo, civilizadamente, ‘foi boa’. e na minha cabeça, as palavras como, foi, viagem, Sydor e boa começam a espalhar seus significados e num zás-trás já não existe mais viagem, nem pergunta, nem resposta. só um emaranhado de definições e uma experiência louca com cada uma das possibilidades criadas.
é como quando a gente se joga numa piscina e em vez de aproveitar o banho, fica concentrada em tirar as folhas que caíram na água durante a noite passada. 
 
um pequeno defeitinho, mais um, que me esforço para manter trancado pelo menos aos olhos dos mais próximos. trancado nos olhos dos mais próximos.

tranquei o olhar
não o meu, 
não o dele.
guardei para sempre aquele caminho
que ficou entre os trinta centímetros
que nos separavam
os mesmos trinta centímetros
que nos aproximavam. 
até hoje 
foi o mais próximo
que conheci
que alguém pode ser de alguém

é assim que as coisas funcionam comigo. 

quer comentar? não se acanhe.

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