drama na área de serviço – 3

não que eu tenha mãos de princesa ou que não possa fazer serviço pesado, mas passar a sexta-feira à noite a limpar os cinco andares do prédio mais a portaria e mais o meu apartamento foi meio demais.

o caso se deu por conta desses fenômenos estranhos que acontecem na minha área de serviço. para resumir a novela, toda a água do mundo saiu do meu apartamento, escorregou pela cascata, que em dias normais atende pelo nome de escadaria, e se instalou na portaria.

na hora do espetáculo, estava fora.

quando cheguei já havia recebido o alerta por telefone de que espécie de revolta acontecia na área leste da casa, mas duvidei que tanta água na portaria fizesse parte do mesmo evento. ingenuamente achei que se desse espécie de pororoca aqui, águas vizinhas que resolveram, sem mais nem porquê, deixar as tubulações e se exibir pelo prédio. qual o quê? as poças do térreo tinham como remetente meu apartamento, e somente ele.

tratei da limpeza. andar por andar. balde, panos, rodo…

no princípio tudo era uma preguiça sem fim. depois, passou a chatice de obrigação. e por último, encontrei certo contentamento. pelos corredores vazios e meio escuros do prédio, enquanto torcia o pano e machucava as mãos, uma alacridade foi tomando conta de mim. a solidão de todos os pensamentos, o eco nas escadas, a luz a apagar e acender: tudo contribuiu para um estado de calmaria de espírito. na medida em que avançava na limpeza, era como se estivesse colocando o mundo inteiro em ordem. e eu comecei a ter uma sequência impressionante de atenção com a respiração – deve fazer parte da meditação que fiz ontem e teve um delay para me surpreender hoje.

o resultado dessas horas em que passei entregue à missão que parecia que não teria fim foi estranhamente positivo. o corpo exausto, mãos machucadas, coluna em frangalhos, mas a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo.

obviamente não preciso de nova enxurrada pra isso, mas temo por amanhã, dia que espero visita de Iara. atenção, senhora das águas, tende piedade. venha, Iara, mas água, só para o chá da tarde.

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quer comentar? não se acanhe.

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