estrangeira

não importa o que aconteça comigo, por onde eu ande, o que faça. eu sou estrangeira. é uma condição de nascimento.
está impresso em mim este traço de inadequação.

o que eu faço para o bom convívio é tentar não perturbar muito. me esforço para me misturar ao meio, reprimo as maneiras desajustadas, a fala estridente, a vontade permanente de contestação – o exercício do domínio da minha condição é incessante. e cansativo.

este quesito alienígena de estar sempre no lugar errado, na hora imprópria, foi moldando meus modos e, veja só que ironia, a ponto de me tornar ainda mais diferente do que no princípio. esses mares que carrego comigo não eram assim tão agitados, foi no passar dos anos que ondas cada vez mais altas foram se erguendo, para acabarem sempre numa arrebentação feroz, numa praia cheia de rochas, que impossibilita banhos.
é uma espiral que continua e continua e continua passando pelos mesmos lugares e na velocidade ganha mais impulso: quanto mais me adapto, mais diferente me sinto, quanto mais diferente, mais tenho que me adaptar.

é um pouco triste.
sinto que tudo em mim é descabido. um pensamento sobre as coisas do mundo, a vontade de entender sobre os mistérios, o cheiro do cigarro, o apetite fora de hora, a meia colorida, os esforços para esconder tudo isso…

lenitivo é que pelo menos consigo manter um quê camaleônico, uma coisa plural, uma forma que não termina, uma conta que não fecha. apesar da canseira, se pensar bem, acho que isso me agrada.

quer comentar? não se acanhe.

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