deixa o mato crescer em paz

Eu gosto de trabalhar bem cedo. As vezes é tão cedo que ainda é ontem… e nessa manhã foi assim. Eu estava a ler, escrever e tentar há horas e o dia apareceu: o movimento dos carros na minha janela, as gentes seguindo para o trabalho, a cidade a sair de casa. De repente, novo som. Uma motosserra. Uma motosserra bem aqui no centro da cidade. Barulho infernal.
Fui à janela.
Pra minha grande surpresa, homens retalhavam a maravilhosa árvore do outro lado da rua. Logo ela, que me garantia sombra nos raros dias de calor curitibano. Logo ela, que era condomínio dos passarinhos que se aventuram à serenata matinal. Logo ela, que era parada obrigatória nos passeios do cão. Logo ela, tão grande, tão robusta, tão cheia de vida e tão firme!
Abri a janela e gritei. Eles não ouviram. Gritei mais alto. Nada. Como a motosserra é mais escandalosa, uma moça que passava na rua, cutucou o dono do serrote e me apontou. Motor desligado, silêncio. Perguntei o motivo do corte, ele levantou os ombros e com o olhar comunicou a não-responsabilidade do ato.
Mais tarde, a investigar a situação, descobri que a árvore não tinha sido atacada por cupins, não estava doente, não ameaçava transeunte. A árvore, mais saudável que eu, estava lá a cumprir o seu papel diário de árvore: fotossíntese, sombra, passarinho, cão, beleza.
No chão, galhos em toco, ninhos vazios, folhas soltas, folhas mortas. Membros sem corpo.
Quem pediu – e sabe-se lá como conseguiu! – o seu tombamento do mal foi a vizinha. As folhas e frutinhos entupiam as calhas de sua casa e ela volta e meia “tinha que chamar o homem para limpá-las”.
Pode isso, Arnaldo?
Pensei mil vezes antes de contar do meu descontentamento: avaliei, troquei de lugar, abri parênteses. Conclusão: não cabe a política da boa vizinhança nesse caso. Relações cortadas pelos próximos 50 anos, tempo para árvore voltar a ser o que era e para nós duas não sermos mais.
 
 
 
 

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