falta d’água

todos esses dias azuis, esse recorde de dourado, esse tempo de estio… a corrente que vai emendando um dia no outro me faz visitar os dias de rodízio, as noites de esperança de ouvir dança nos canos, as saudades de uma abundância, fácil e frívola de outros tempos.

falta água. falta paciência.
mais falta faz o escrúpulo de, às vezes, intimamente, bem quietinha, pensar que se não há água, não preciso cozinhar, nem lavar roupa, nem fazer faxina, nem nada. posso me estirar no sofá e deixar que o dia passe.
tenho vergonha desses pensamentos. morro de vergonha porque sei o tanto de gente que sofre por não ter o que eu tenho e o que tenho pode parecer privilégio, mas é básico; e pode parecer básico, mas é sorte; e pode parecer sorte, mas é injustiça.

a linha que risca a diferença entre eu enfrentar, cheia de tédio e culpa, os dias de rodízio de água e uma pessoa ter proporcionalmente o inverso, para mim é tão inexplicável, que por mais que recorra a todos os sociólogos do mundo, não entenderei.
não há como admitir ou não pensar que tem gente no mundo que não pode lavar as mãos. lavar os pés. lavar a alma.

onde falta água, não por causa da chuva, mas por conta do resto, falta tudo.

quer comentar? não se acanhe.

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