ipês, o final do inverno

tenho essas histórias, que não dizem nada demais. mas são minhas. e gosto de lembrá-las.
são enredos de final de inverno, que ficaram para sempre em mim.

teve um tempo que o Dé morava numa rua cheia de ipês. rosas.
muita coisa era bonita naquela época: as conversas do meu pai e do meu filho movidas a silêncios; a maneira como eu era bem-vinda; os papos intermináveis; o tatuador do último andar; o piso quadriculado…

uma vez eu e o Dé estávamos sentados na calçada e ele me disse que quando os carros passavam em cima das flores do ipê, elas estouravam. duvidei. esperamos. escutamos. escutei os estampidos estranhos, incoerentes e inexplicáveis. até hoje, quando tem flores na rua espero um carro para ouvir a pequena explosão e sentir a sensação daqueles dias em que o Dé morava naquela casa de rua rosa e chão preto e branco.

foi minha amiga Carla, bióloga, que me contou que aquelas pétalas coloridas do final do inverno não são bem pétalas e nem as flores são bem flores.
mas continuei chamando de flores.
e quando ela me disse que um tipo de ipê roxo é, na verdade, jacarandá, teimei e continuei chamando de ipê.
as flores do ipê roxo.
as pétalas das flores do ipê roxo.

com o Carlos Alberto eu passeava para ver os ipês da cidade. era bonito. percorríamos quilômetros tratando da apreciação.
às vezes, quando as flores estavam muito fresquinhas nas calçadas, eu gostava de tirar os sapatos e andar bem devagarinho em cima delas. o Nego ficava brabo ‘não faz isso’. eu fazia: ‘esta é minha versão de pisava nos astros distraída/desastrada’. ele ria.
ele gostava dos amarelos. eu gostava dos brancos. catalogamos e fotografamos os cor-de-rosa.

a Lina tem as mais belas e representativas fotografias dos ipês de Curitiba. e sempre quando penso que queria ser fotógrafa, me imagino fotografando ipês como ela.
lembro uma vez que me falava de uma árvore e explicou assim: ‘é um fúcsia diferente’.
amei que o ipê que encantou Lina tenha sido um fúcsia. não um rosa ou um muito rosa ou, ainda, um rosa escuro, vivo ou pink… mas fúcsia, a Lina sabe das coisas.

meu cunhado, sem anunciar ou prometer, plantou um pé de ipê (gosto do som umpédipê) em frente do meu prédio.
já faz tempo. não moro mais lá. mas sei que as flores continuam se exibindo.

tenho essas histórias, que não dizem nada demais. mas são minhas. e gosto de lembrá-las.
são enredos de final de inverno, que ficaram para sempre em mim.

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