lareira

estou em outro lugar. uma caverna quente que resiste ao inverno de outro hemisfério.
penso em minha sombra desenhada na parede como um quadro que vez ou outra se move lento e entupido de uma sensualidade que só existe na imagem.

tenho frio. tenho calor. conto os dias e leio textos que me interessam mas não me permitem, não me pertencem, não me deixam falar. só posso dizer o que já foi dito. e mesmo assim não posso repetir nada.
a leitura é seca. a escrita, árida. as obrigações de uma e de outra me atraem e ao mesmo tempo me repelem.
repelem. a pele. há pele.
às vezes tenho vontade de escrever um poema. engulo.
sufoco.
calo.
o fogo faz mais barulho que eu. tripudia, crispa, alaranja e dança. sinto vontade de dançar.
silêncio. corpo na cama.

escuto o violão e penso na primeira música, no primeiro homem que ouviu o assobio do vento e o repetiu entre os lábios, depois num tronco oco, um outro tronco, alguns furos. as notas.
a primeira música da terra foi feita por uma mulher, só pode.

um ar puro, o vento frio, a chuva, sol, o arco-íris. sou uma mulher conduzida pelos humores do clima. irracional e deitada colo minha sombra na parede durante toda a eternidade desse instante.
a lareira arde.

Uma resposta

  1. CARMEN ESTER ROMERO SAAD

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