mensagens para o futuro

faz muito tempo que iniciei o hábito de escrever cartas para o futuro. de mim para mim. 
escrevo para continuar dentro de mim mesma sem enlouquecer com a solidão. escrevo porque tenho coisas a dizer. escrevo porque é a única forma de continuar.
minhas cartas são os bonecos de neve que construo da matéria que ainda continua em volta. são o salto na piscina que espalha a água que não acaba. são as notícias de um jornal: amanhã existirão outras, sempre existirão outras e continuarão, mesmo sem novidades.
 
minhas cartas levam selos de cera e o aviso da data em que devem ser lidas, daqui cinco, dez, até 20 anos, para que lá na frente eu receba as novidades do meu passado. é gostoso saber minhas precisões de anos atrás sobre perdão, confiança, amor, saudade, música, cachorro. sobre noites de sol, dias santos e planos do futuro – quase nunca cheguei ao objetivo que havia traçado. notícias das férias, do trabalho novo, da receita testada, do vizinho bonito do outro lado da rua. 
tudo cabe nas missivas. e tudo é surpresa e saudade. e tudo é beleza, até as coisas ruins porque elas acabam me falando sobre superação…
 
olhando em volta, resolvi expandir o negócio.
há muita gente por aqui que merece que seus descendentes saibam de seus dias, suas possibilidades e ações nesses tempos prosaicos e mundanos. uma espécie de registro muito pessoal sobre como viveu pai, mãe, tio, avó, madrinha, bisavô e por aí vai. 
gosto de pensar em ajudar, na qualidade de repórter/cronista, futuras gerações a saberem de seus antepassados, porque adoraria hoje poder abrir uma carta escrita por uma amiga da minha avó, por exemplo, a me contar como ela era nessa relação, o que fazia, como se comportava, do que gostava, quase um Globo Repórter privado. 
 
já, imagine!, recebi encomendas. amigos que me ouviram falar sobre a ideia, confiaram a mim os bilhetes para o futuro – mesmo avisados de que não poderão ler e também que o lance engloba tudo que vejo, incluindo aquelas características que não ficam na coluna das coisas bonitas.
outros, me disseram que eu poderia explorar um novo ramo de atuação e cobrar pelo trabalho. isso não sei se posso fazer, porque a motivação da comunicação com o futuro é outra e misturar grana talvez atrapalhe tudo.
ah! e como a carta encontrará depois de um tempo o destinatário? esse é o pulo do gato. e isso eu não conto porque vai que eu troque de ideia e inicie novo trabalho…
 
de qualquer forma, a nova ideia tem me distraído de algumas coisas e me revelado outras na medida em que batuco essas biografias particulares que se não chegarão a causar espécie, me garantirão conversa muito pessoal, fora desse tempo e desse espaço. 
talvez seja esse o meu auge como escritora. 

quer comentar? não se acanhe.

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