mudar de país

encher a cabeça de sonhos como se ainda fosse possível realizá-los e olhar, longo, longuíssimo tempo, os quadros da parede.
tomar um ar de esperança e despedir-se do cachorro.

segurar a mala, soltar a mala, achar que está esquecendo alguma coisa muito importante e conferir mil vezes os documentos.

despedir-se da filha, segurar seus cabelos, passar as mãos pelo seu rosto, abraçá-la tão forte como se fosse possível misturá-la em meu corpo, grudá-la em meu peito e levá-la comigo.

sair de casa e não levar as chaves.

descer as escadas do prédio, pela primeira vez segurar no corrimão, entrar no carro e chorar como se fosse para guerra.

olhar para sempre nos olhos do filho e chorar.

querer dizer para a irmã e não conseguir, pedir a benção do irmão mais velho e torcer para ele não chorar.
fugir do pai e da mãe.
não ter chaves.

pegar as malas, mãos dadas com o companheiro, e cruzar o oceano.
 
mudar de país é viver no infinitivo. o tempo todo, uma ação de maneira indeterminada.
descobrir, procurar, entender, enfrentar, perder, gostar, contar, escrever, conhecer…
querer voltar; não querer voltar.

quem muda de país, deixa sempre uma parte importante no berço e segue incompleta, mutilada, aos pedaços, em busca de infinitivos novos e felizes.
(…)
 

quer comentar? não se acanhe.

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