oito do três

posso te cumprimentar pelo Dia da Mulher?
foi a primeira frase que ouvi hoje pela manhã.
o tempo estava feio, fazia frio, chovia e ventava. eu entrei no café porque estava cheia de moedas e a guria que trabalha lá gosta quando eu proponho trocá-las.
foi antes da operação do dinheiro que ouvi a frase, mas não foi dita para mim. a moça do café sorriu seu sorriso de quem começa a trabalhar às sete da manhã e quinze minutos depois tem que arrancar forças sabe-se lá de onde para continuar. o homem deu um risinho cínico e malicioso.
ela, mulher, trabalhadora. ele, homem, cliente.
ela, mulher, no limite. ele, homem, abusado.

ao longo do dia, umas 3 ou 18 vezes tive vontade de escrever um texto imenso sobre ser mulher.
este pensamento ficou me rondando por diversos caminhos. foi um pouco perturbador passar o dia assim, com uma lente de aumento que começou na guria do café e se multiplicou por todas as chapas que passaram por mim. no ponto de ônibus, no trabalho, na fila, no caixa, no restaurante, no supermercado, no shopping, na rua, na escola, em todos os lugares eu só pensava o quanto, o tanto, que é difícil; o tanto, o quanto, o mundo é masculino; o tanto, o quanto, os homens são babacas.

relembrei algumas vezes em que fui reprimida ou humilhada ou subestimada ou desrespeitada ou desconsiderada ou subjugada por ser mulher.
não sente assim. | não vá até lá sozinha. | sim, ele ganha mais, mas não se sinta mal por isso. | e se um de seus filhos ficar doente, quem cuidará para você trabalhar? | a camisa do seu marido está suja. | pinte o seu cabelo. | você volta para fazer o jantar? | você tem marido? | os teus filhos são do mesmo pai? | homem não gosta de mulher com esse comportamento. | acho tua roupa inadequada. | você tem mais jeito para limpar a casa. | não pense nisso que passa. | é um exagero, não deve doer tanto. | a culpa é sua. | mas por que você simplesmente não reclama?

não vou continuar porque cada uma dessas frases me machuca e me transporta para uns lugares que não gosto de revisitar. mas elas compõem a minha história e só as ouvi porque sou mulher.
há outras, muito mais graves, bélicas e traumáticas. prefiro não contar.
minhas amigas, colegas, conhecidas, familiares, as melhores que já vi, mulheres que não gosto, outras que não conheço, todas já passaram por coisas assim. todas. coisas assim e piores. todas.

tenho vontade de me abraçar a palavras amorosas e com elas terminar esse textinho que não diz muito a que veio, mas como a liberdade, a segurança, o respeito, a igualdade são valores ainda longe da realidade da mulher, resolvi enfileirar um monte de palavras que significam várias coisas, todas elas têm donas.
vagina, rosto, peso, cabelo, barriga, boca, olhos, útero, coxas, costas, braços, nariz, pele, pelos, apetite, vontades, preferências, sonhos, roupas, risadas, preguiças, disposições, revoltas.

quer comentar? não se acanhe.

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