convívio de colmeia

a caixinha de correio aqui de casa é do tipo esculpida na pedra do muro. um buraco escavado e moldado que de um lado avisa ao carteiro e de outro tem uma porta que pode, se for o caso, ser trancada até com cadeado.
é super bem feitinha e gosto de pensar como consegue, com simplicidade e competência, resolver o negócio de correspondências. faça chuva ou faça sol, cartas serão entregues e ali ficarão protegidas.
também gosto de imaginar o tanto de engenho e arte que é necessário para fazer algo assim. acho o sistema extraordinário. me encanta pensar na ciência do pedreiro que calculou aquilo.

pois bem, dentro da caixa de correio, uma vespinha solitária começou a tecer sua colmeia. um dia, outro dia, mais um e outro… e a casinha foi aumentando progressivamente.
me comovia vê-la ali todos os dias na solidão operária, no distanciamento social, no saber-se só no mundo e ainda assim continuar sua construção.
eu, que sempre tive filhos, por exemplo, quando eles não estavam comigo, parava a rotina doméstica totalmente e trocava almoço por brunch, café por champanhe, cama por sofá.
mas a vespinha, ainda que sem dependentes ou antepassados, sem amigos, primos ou colegas, continuava sua construção, como quem afirmava que nada importa, que não importa nada nem a lente do Fantástico, nem o disco do Paul Simon, o que tinha que ser feito era feito e ponto final.

na minha rotina matinal, abri a portinha do correio para saber de cartas e da operária e tive a surpresa: mais uma.
então era isso, um casal? a partir daquele momento ficaria assistindo as vespinhas em seus primeiros espantos de recém-casadas: as núpcias, a toalha em cima da cama, a irritação pela porta que bate, a bagunça na cozinha, o volume da vitrola, as risadas a qualquer hora, o café das 11 e outros etceteras.

mais uns dias e minha observação pacata e amistosa teve que ser interrompida. a caixa de correio estava cheia de parentes. não sei se vindos de férias ou em definitivo, com convite ou iniciativa, em paz ou em guerra, ocupação ou invasão.
não sei nada.
mas imaginei a trajetória da primeira vespinha: o silêncio claro das manhãs, as primeiras horas do amor, a construção próspera e definitiva, a imposição do convívio social… este comportamento louco e repetitivo que imitamos e trazemos para nossas colmeias como se fosse uma invenção nossa.
não passamos de vespas sem asas…

quer comentar? não se acanhe.

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